Entrevistas

Hevilan: “Nada substitui o palco, nada”

Hevilan: “Nada substitui o palco, nada”

8 de abril de 2021


Biek Yohaitus (Baixo) e Johnny Moraes (Guitarra)

Alex Pasquale

Biek Yohaitus (Baixo) e Johnny Moraes (Guitarra)

Hevilan, a lendária banda de heavy prog symphonic metal está de volta e acaba de lançar seu segundo álbum, o conceitual ‘Symphony of Good and Evil’ e nós batemos um papo com o guitarrista Johnny Moraes e o baixista Biek Yohaitus.

Diversos assuntos foram abordados e a  dupla falou das suas impressões sobre o novo disco, da imensa falta que faz de estar no palco e também deixaram escapar para os fãs que o terceiro álbum não vai demorar para sair, pois será escrito durante essa pandemia.

São oito anos de hiato entre The End of Time, o álbum de estreia e Symphony of Good and Evil. O que a banda ganhou em experiência neste espaço de tempo entre os dois álbuns?

JM (Johnny Moraes): No nosso caso, aconteceu que a tour do End of Time durou até 2019 mesmo, sendo que o último show aconteceu em dezembro de 2019, no SESC Santo André. Foram em torno de 70 shows, de 2014 a 2019, passando por 3 estados brasileiros, e, realizamos em torno de 10 destes shows em parceria com o projeto Edu Falaschi Metal Classics.

BY (Biek Yohaitus): Enquanto o Johnny excursionava e gravava o Shadow Work do Warrel Dane, que sempre estará em nossos corações, eu me dediquei a aprender técnicas de produção. Fiz algumas pequenas produções e quando o Johnny estava pronto para se dedicar 100% ao Hevilan eu também estava pronto para produzir o disco. Foi uma experiência extenuante, compor, gravar e produzir a banda. Mas como é um trabalho que colocamos nossos corações e almas, fiz com prazer.

 

É normal uma banda afirmar que seu mais recente trabalho é o melhor. O resultado de Symphony of Good and Evil superou as expectativas? Como a banda vê a evolução entre The End of Time e o novo trabalho?

JM: Para mim há muito nítida uma evolução nas idéias, riffs, solos, melodias, nos arranjos de bateria, baixo e até de coral e orquestra nesse disco atual. No “Symphony” eu escuto uma banda mais madura, que sabe mais o que quer, e que foi ainda mais de encontro a sua identidade e a sua maturidade sonora. Sinto um Hevilan mais lapidado no Symphony of Good and Evil. Também é um disco com um pé um pouco maior no estilo prog metal, do que o primeiro álbum. Trabalhamos mais com compassos compostos, arranjos e estruturas de música não tão óbvias, o que pode agradar uma boa parcela de fãs do estilo progressivo, mas talvez, não agrade muito a parcela de fãs que apreciou mais o lado power metal da banda, mais presente no primeiro disco.

O disco tem participações de personagens que não são conhecidos do público do Heavy Metal, como Negravat, Rodriggo Guabiraba e Claus Xavier, o que enriqueceu muito, musicalmente falando, o novo disco. Como aconteceu de convidar os três?

BK: O Claus Xavier também cantou no Coral do End of Time e é um grande amigo. Pedi a ele indicações para compor nosso “Quarteto do bem e do mal”. Como produtor admito que sempre queremos mais… mas dentro do tempo, equipamento e possibilidade técnica disponível conseguimos um resultado acima da média.

Alex Pasquale

Symphony of Good and Evil é um álbum conceitual que trata das questões entre o bem e o mal do ser humano. Nos dias atuais, principalmente com a pandemia do novo Coronavirus, o lado ruim do ser humano se aflorou muito. Esse aspecto influenciou na concepção temática do álbum?

BK: A parte 3 da música “Symphony of Good and Evil” foi composta no começo dos anos 2000. Para esse disco eu apenas organizei umas ideias e compuz a orquestra, que de fato foi o que deu mais trabalho. Quando eu componho procuro tratar as coisas de formas eternas, que cada um pode trazer a letra para seu âmago individual. Trazendo assim uma perspectiva única para cada ouvinte.

JM: De certa forma não, porque começamos a escrever esse trabalho muito antes da pandemia, a pré-produção foi feita entre 2016 e 2017, quando nem sonhávamos com Corona Vírus,e vivíamos um outro contexto político, econômico e social, no Brasil. O engraçado é que algumas temáticas desenvolvidas nessa época, se encaixam como uma luva agora, em março de 2021, justamente a dicotomia entre o bem e o mal dentro de cada ser humano, e como, tantas vezes os dois lados entram em conflito, se sobrepõem, e enganam um ao outro

Hoje em dia, com toda a tecnologia à nossa disposição, o processo de gravação de um álbum é bem mais simplificado. Mas creio que com a pandemia, contratempos foram naturalmente criados. Foi difícil esse processo de compôr, gravar e mixar o álbum, tendo que manter o distanciamento e com dificuldades de locomoção?

JM: A mixagem do disco foi terminada ainda no final de 2019, então, a pandemia em si, não afetou o processo. Passei os primeiros meses de 2020 correndo atrás de fechar uma boa parceria com algum selo internacional, o que veio ocorrer justamente com a Brutal Records, que está fazendo um trabalho muito bacana e sério de distribuição. A arte também foi finalizada pelo Gustavo Sazes, ainda em 2020, mas o lançamento teve que ficar para o início de 2021, já que até acontecer a finalização de todos os arquivos da arte, estávamos já caminhando para o final de 2020.

 

Temos a estreia do baterista Rafael Dyszy, que deixou uma primeira impressão muito boa. Como se deu a entrada dele e o quanto de colaboração ele deu para o resultado final do disco?

BK: É curioso que tivemos ele como nosso baterista também no ano de 2007, na tour do primeiro EP da banda, o Blinded Faith, para apens alguns shows em MG e PR. Mas na época ele não podia se unir a banda definitivamente.

JM: Precisávamos arrumar um batera competente que desse conta de tocar as linhas gravadas pelo Aquiles Priester no End of Time; dessa vez o Rafa estava disponível para o trabalho e foi uma escolha natural sua entrada na banda. Afinal já o conhecíamos fazia muito tempo. 
É estranha a sensação de gravar um álbum e não poder sair em turnê por conta dos protocolos de distanciamento social. Segurar a ansiedade deve ser ainda mais complicado. Como a banda pretende lidar com isso, sem poder saber a reação do público in loco às músicas novas?

JM: Isso é bastante verdadeiro. Bom, o que estamos fazendo, em decorrência dessa situação atual, é já adiantar o que vai ser o terceiro disco da Hevilan. As reações ao lançamento do disco, até o presente momento, têm sido muito boas, tanto no Brasil quanto na Europa, o álbum está tendo uma boa receptividade, inclusive com parte da crítica o considerando melhor do que o primeiro.

BK: Nada substitui o palco. Nada. Estamos tentando nos manter sãos e terminar a composição do próximo disco no tempo que estaríamos em turnê. Planejamos não haver mais hiatos tão longos entre os lançamentos. Mas por hora podemos sentir a reação do público apenas na internet, que felizmente tem muito alcance para que as pessoas possam desfrutar do nosso trabalho.

O álbum está com previsão de lançamento para o dia 19 de março via Brutal Records no exterior e pela Voice Music aqui no Brasil. Quais as expectativas criadas em relação à distribuição e apoio dos selos?

JM: A Brutal Records tem feito um excelente trabalho nesse sentido, fazendo o disco chegar com força no mercado underground europeu e no mercado japonês, ainda neste mês de março. Em abril o CD também chegará em algumas lojas físicas e virtuais dos EUA. Aqui no Brasil o disco já está disponível para venda na Die Hard e outras lojas virtuais de CD´s especializadas em heavy metal.

 

Recentemente tivemos a declaração polêmica do CEO do Spotify, que chamou os músicos de maneira geral de preguiçosos. Qual a opinião da banda a respeito de tal afirmação?

BK: O dia que ele tiver uma banda e compor um disco eu levo a opinião dele em consideração. Por hora o que ele diz é só um monte de merda de quem ganha milhões e paga centavos. As pessoas escutam a mesma música por anos e anos a fio… Eu faço isso, você faz isso e ele também faz isso… e sabe disso…

JM: Acredito que ele está equivocado com relação a esta afirmação, principalmente se você olhar a quantidade de bandas pequenas e médias, tanto do mercado europeu quanto do brasileiro mesmo, que lançam disco novo a cada 2 ou 3 anos. Existem centenas de bandas que estão na tentativa de se viabilizar de alguma maneira no mercado, e conseguir fazer com que sua arte se torne rentável. Acontece que os repasses dessas plataformas de streaming são muito baixos, tanto para os artistas, quanto para as gravadoras, e é por isso quer o mercado musical não consegue mais voltar para patamares bons que já teve ao longo de toda a segunda metade do século XX.

 

A mixagem ficou a cargo de Lasse Lammert, que fez este trabalho no álbum Shadow Work, de Warrel Dane. Seu trabalho neste disco foi sensacional e a escolha dele para mixar Symphony of Good and Evil foi um caminho natural?

JM: Agradeço o elogio e sim, foi mais ou menos por aí que se desenvolveu a conversa da mixagem; eu já tinha o contato direto com o Lasse, por causa da ótima relação que desenvolvi com ele durante a gravação do Shadow Work. Nós falávamos bastante, e, em uma dessas conversas, ele expressou para mim a admiração que tinha pelo primeiro disco da Hevilan, e que ficaria muito feliz em poder ter a oportunidade de trabalhar conosco. Decidimos dar a ele esta chance.

https://www.youtube.com/watch?v=e-zBHYFdUHg

Ultimamente temos visto uma polarização política enorme no Brasil e isso se reflete também entre os Headbangers. Embora a proposta lírica do Hevilan ande em caminho bem oposto do político, gostaria de saber a opinião pessoal de vocês sobre o assunto política e música. Não necessariamente qual corrente ideológica vocês se identificam, mas as decisões que os governantes tomam afetam diretamente nossas vidas, seja para o bem ou para o mal. Vocês acham que política pode ser um assunto abordado nas letras, como tantas bandas o fazem ou o que interessa é o som e o entretenimento?

BK: Temos dentro do Hevilan integrantes que pensam diferentemente sobre tudo na política. Mas não caímos na cilada do “dividir e reinar” (divide et impera – Julio César). Como falei antes, eu penso na nossa música, na nossa arte, como algo eterno. E a História que julgue os políticos… Beethoven dedicou inicialmente sua terceira sifonia, a “Heróica”, à Napoleão. Depois teve que rasgar a dedicatória.
Então sim, os integrantes da banda têm opiniões díspares sobre muitos assuntos, mas a música nos une e nos torna mais fortes.

JM: Eu pessoalmente considero a política um nível muito raso da compreensão do ser humano e das suas motivações; muito antes do nível político vem o nível psicológico/psicoemocional, e o dos interesses e ambições do ser humano, que o levam a agir de certas maneiras; e ainda antes disso, o nível espiritual e o afetivo. A política e o que acontece nela é resultado de outros processos que acontecem no intelecto, no emocional, cultural, e no jogo das vontades de cada pessoa. Fala-se muito em esquerda ou direita, politiza-se muito o mundo hoje, porém, a conceituação dos lados políticos é um fenômeno recente na história humana, que vem da revolução francesa, que aconteceu no final do século XVIII; antes disso já tinha acontecido muita história no mundo medieval, e ainda, na época dos Impérios (romano, bizantino, asteca, grego, egípcio etc.). Então, para mim, ficar apenas no entendimento político do mundo, e pensar que tudo é movido por esse entendimento, é uma leitura muito rasa do ser humano, de como chegamos aqui, e do que nos move na vida, estamos muito além disso.

 

Johnny, o tempo que você passou tocando com Warrel Dane certamente lhe enriqueceu como músico e como pessoa. Que aprendizado você teve com o mestre e que te deu a oportunidade de colocar em prática no Hevilan?

JM: Warrel me deu a oportunidade, com o disco Shadow Work, de escrever, gravar e lançar um álbum com todo o suporte de uma gravadora de médio/grande porte dentro do mundo do heavy metal global, e principalmente da cena européia, que é a Century Media/SONY. Isso foi realmente uma experiência fenomenal, porque a gravadora cobriu todos os custos de produção da banda dentro do estúdio, alimentação e até a gasolina para ir e voltar todos os dias; e ainda, fez um acompanhamento junto com a gente, de todas as etapas do processo, incluso a pré-produção. Além disso, pude ver como funciona o marketing de uma gravadora no pré-lançamento, lançamento e pós-lançamento de um disco. Fazem uma divulgação brutal, que muitas vezes quem não tem esse tipo de suporte, artistas independentes, não conseguem fazer, já que a gravadora tem uma equipe de várias pessoas trabalhando 5 dias por semana durante meses nisso. Isso me fez focar ainda mais, na procura de um selo que distribuísse esse novo disco da Hevilan, que pudesse pelo menos, fazer um trabalho similar, em alguns pontos, ao que a Century Media/SONY realizou com o Shadow Work, e encontrei isso na Brutal Records, que também está lançando mundialmente algumas outras bandas brasileiras de respeito da cena underground, com os novos álbuns trabalhos de Válvera, Scars e Venomous. Posso afirmar que, apesar de ser uma gravadora pequena, fazem um trabalho fenomenal de divulgação. Outros pontos importantes que eu devo colocar, que aprendi nos 4 anos de vivência com o Warrel; é a importância e crucialidade de se fazer bons shows, a importância da vestimenta tanto para os shows e fotos com a banda, como para o marketing individual, e, desenvolver um merchandising bacana para a banda.

 

Você acha que o fato de ter tocado com o Warrel pode ajudar na divulgação da banda? O fã do teu trabalho com o Warrel abraçou o Hevilan? Te incomodaria se rotulassem o Hevilan como a banda do ex-guitarrista do Warrel Dane e não como uma banda própria, independente?

JM: Sem sombra de dúvida que sim, porque existem hoje muitos fãs do trabalho que eu desenvolvi no Shadow Work (que foi um disco muito aclamado pela crítica, principalmente na Europa, com excelentes notas e resenhas, inclusive, em alguns países, como a Grécia, onde foi considerado pelos leitores da revista Metal Hammer, como um dos 3 discos mais importantes de metal lançados no ano de 2018) que acompanham o meu trabalho até hoje, me seguem nas redes sociais, e sempre me questionam sobre meus próximos trabalhos e projetos. Shadow Work me trouxe uma boa visibilidade dentro do cenário underground europeu. Eu diria que uma boa parcela desses fãs do Warrel, que acompanham o meu trabalho, está sim muito empolgada com o lançamento do Symphony of Good and Evil, pois, em sua maioria, já deram uma resposta muito positiva aos dois singles lançados. É claro, que nem todos que apreciaram meu trabalho em Shadow Work se tornarão fãs da Hevilan, mesmo porque, apesar de a Hevilan ter, entre as suas influências o Nevermore, nossa praia de composição é outra, estamos mais próximos de um heavy metal tradicional pesado, mesclado com tendências e idéias tanto do power, quanto do prog e até do thrash metal; temos sim um pé forte no som de bandas como Judas Priest, Black Sabbath, Rainbow… se você ouvir com atenção os arranjos e riffs, escutará que, por trás do fato de abraçarmos a modernidade da produção musical, da guitarra de 7 cordas, dos corais e das orquestrações, temos um pé ainda nas bandas criadoras do estilo heavy metal. Então, é esperado que nem todo fã do Warrel se tornará um fã de Hevilan.

Sobre rotularem a Hevilan, como sendo a banda do ex-guitarrista do Warrel Dane, não tenho problema nenhum com isso, desde que comprem e escutem os discos, e prestigiem os shows, rsrs. Me sinto tranquilo com isso, porque sei que quem mergulhar a fundo no nosso som, descobrirá que existe muito conteúdo em nossa música; Penso que Hevilan já é uma banda madura e única em seu trabalho, com um conceito sonoro e gráfico bastante aprofundado, e o fã de heavy metal, Warrel Dane ou Nevermore que ouvir com atenção nossos discos, certamente se surpreenderá positivamente, encontrará muito mais do que imagina.


Gostaria de agradecer pela disposição em atender a Headbangers News e o espaço agora é de vocês.

JM: Queria agradecer de coração a vocês da Headbanger News pelo espaço; uma entrevista muito bacana e com perguntas inteligentes, e é sempre um prazer poder compartilhar com os fãs e apreciadores do heavy metal brasileiro, toda a concepção por detrás de um trabalho feito com muito suor, sangue e lágrimas, como foi mais uma vez, com este disco, o ‘Symphony of Good and Evil’.

BK: Quando toda essa merda passar, pois vai sim passar pessoal… se cuidem e cuidem de quem vocês amam. tenham calma. Logo estaremos livres para tocar e nos encontrar na estrada para shows para celebrar o Rock n Roll e o fim da Pandemia. Não vejo a hora disso acontecer! Obrigado e nos veremos em breve!