Resenhas

Inclusions

Minorarc

Avaliação

10

Fundado por Ivan Bullock, multi-instrumentista de Canberra, Austrália, Minorarc é um espécie de Ópera Sci-Fi em música instrumental densa. Com camadas que misturam metal moderno, clássica sombria e eletrônica atmosférica. Em ‘Inclusions’ (2023), seu último álbum, Ivan não apenas entrega uma coleção de músicas, mas um universo inteiro construído em torno da decadência e da busca por sentido. Um trabalho que talvez seja novo e pouco conhecido para os brasileiros, e importante ressaltar que Ivan Bullock é um grande incentivador da cena musical underground australiana há vinte anos.

Ivan não é novato: seu percurso vai do Mystral Tide, projeto gestado nos becos de Tóquio nos anos 2000, até a fundação da cena eletrônica subterrânea australiana através do DEMUS. Em Minorarc, ele reuniu as influências do gótico, do industrial, da clássica e do metal moderno (em especial o djent) e moldou um som que é, ao mesmo tempo, cerebral e emocional.

Nascido em Canberra, capital da Austrália, em 1976, Ivan Bullock matriculou-se, ainda criança, em aulas de piano clássico e violino, eis onde começou a florescer a carreira deste músico que merece nossa atenção. Aos 18 anos,  uma lesão no pescoço causada pelo uso prolongado do instrumento pôs fim à criação musical. Mas Ivan soube contornar o problema para continuar sua trajetória e tornou-se um ávido colecionador e apreciador de música.

E essa sua busca e estudos por música, atenção para obras experimentais, música industrial, eletrônica. Depois de mudar o foco da música eletrônica de inspiração clássica e predominantemente gótica, Ivan começou a gravar trabalhos para abordar temas de decadência urbana e desespero, às vezes incorporando fortemente influências do gênero metal, o que rendeu um dos maiores discos da história – mesmo que pouco famoso, recebeu diversas criticas positivas. Estamos falando de ‘Inclusions’, que traz sobriedade ao apresentar obras instrumentais de metal neoclássico e moderno projetadas para retratar estados oníricos e falhas na percepção.

O sucesso ‘Inclusions’ faixa a faixa

O álbum começa com “A Drizzle’s Vagrant I”, uma faixa melancólica que lembra um piano tocado em um quarto vazio, com a chuva batendo na janela. Minimalista e arrastada, ela serve de entrada para o mundo introspectivo de “Inclusions”. Aqui, a influência da formação clássica de Ivan é clara. A música parece uma lembrança embaçada, o primeiro sinal de que esse disco é mais sobre o sentir do que o entender.

A virada vem com “Seven Times Burnt”. Sai o piano solitário, entram guitarras distorcidas e secas, cheias de peso e textura, num groove quebrado que lembra diretamente os trabalhos de Mick Gordon em “Doom” (2016). O riff é angular, quase matemático, mas é também violento e urgente. A bateria eletrônica, acompanhada de efeitos de sintetizador, cria uma parede sonora que avisa: o disco vai ser uma montanha-russa emocional.

“Meet the Blade” é o primeiro épico do álbum. Combinando guitarras massivas, orquestração dramática e sintetizadores misteriosos, a faixa constrói um clima que beira o apocalíptico. Tudo é envolto em ecos e reverberações, como se estivéssemos dentro de uma catedral futurista em ruínas. A estrutura lembra movimentos clássicos: apresenta um tema, expande, destrói e reconstrói. E ao fim, você não sai ileso.

A quarta faixa, “Three Times”, é a mais longa do disco, com 7 minutos e 26 segundos. Aqui, Ivan explora contrastes: momentos de calma introspectiva são interrompidos por explosões de guitarras cortantes e sintetizadores sufocantes. A faixa transita entre atmosferas com habilidade, como se fosse uma jornada emocional. A sensação é de estar preso em um ciclo de memórias que tentam encontrar uma saída.

“Bleeding Facet” é talvez a faixa mais densa emocionalmente. Com vocais corais que evocam cantos gregorianos misturados a batidas graves e camadas de sintetizadores agressivos, a faixa mergulha em um universo quase sacro e assustador. A combinação do orgânico com o sintético aqui é especialmente poderosa, criando uma experiência que parece um ritual antigo interpretado em uma distopia cibernética.

Na sequência, “Triclinic” leva o ouvinte ao espaço. Literalmente. Os sintetizadores soam como cordas vibrando em gravidade zero, e a guitarra é menos protagonista do que paisagem. Existe um clima tenso e flutuante, como uma deriva num ambiente alienígena. As referências aqui lembram trilhas de videogames como Dead Space ou Mass Effect. É uma faixa que pede isolamento, fones de ouvido e olhos fechados.

A última música do disco, “A Drizzle’s Vagrant II”, fecha o ciclo de forma brilhante. Retorna à atmosfera melancólica do início, mas agora com mais corpo, como se algo tivesse sido aprendido. A faixa é mais uma vez baseada no piano, mas com camadas adicionais de ambiência, notas mais agudas e detalhes que criam um senso de conclusão. Parece um epílogo, um fechamento digno para uma ópera instrumental sobre o peso de existir.

‘Inclusions’ não é um álbum que se consome de forma convencional. Ele entrega carga dramática e emocional, funcionando bem com imersões visuais. Ivan Bullock não compõe para entreter; ele compõe para exorcizar. A produção é minuciosa, com timbres escolhidos a dedo, espaçamento calculado e transições quase imperceptíveis que dão fluidez a um trabalho que poderia facilmente soar fragmentado. E isso talvez seja o maior trunfo do álbum: ele é coerente, apesar de suas contradições.

Ivan Bullock é um pilar da cena musical underground australiana

Desde 2005, Ivan Bullock tem sido um pilar da cena musical underground australiana, trabalhando com comunidades online e organizando eventos experimentais ao vivo. Essa análise do seu ultimo trabalho é apenas o mais recente de toda sua trajetória. Um dos projetos mais significantes é a DEMUS (Dark Electronic Music Underground Society), uma comunidade online onde os artistas podiam compartilhar seus lançamentos, notícias, eventos e se conectar com membros proeminentes da cena artística underground por meio de um fórum. O projeto se expandiu para incluir o Darkstereo, um site público para vender trabalhos digitais e físicos dos membros. Juntos, os projetos financiaram e produziram 19 eventos de música ao vivo e visuais “Enzyme” em Melbourne entre 2005 e 2015. Eles apresentaram artistas emergentes que iam do experimental e do noise ao pop eletrônico, industrial e EBM.

Com o projeto Minorarc, Ivan lançou outros 3 álbuns que merecem atenção: O álbum de estreia, ‘Minorarc’ (2010), com uma tiragem limitada de CDs impressos e montados à mão. o EP de seis faixas, ‘Involution’, foi lançado digitalmente como uma coletânea de material novo e reinterpretações. O álbum conceitual ‘Untold’ (2020), as taxas de produção para mídia de CD e arte digipak cobertas por meio de uma campanha de sucesso no Kickstarter. Três meses depois,  ‘Overburden’ foi distribuído digitalmente e incluía 10 novas gravações, concluídas logo após o término das sessões de seu antecessor.

Se você curte projetos como Mick Gordon, Ulver, Meshuggah (fase mais atmosférica), ou mesmo trilhas de jogos como Doom, Dead Space e Chrono Trigger, ‘Inclusions’ vai te pegar em cheio. Não porque se parece com eles, mas porque oferece algo próprio, feito de emoções cruas e paisagens sonoras que misturam beleza e ruína. No fim, ouvir “Inclusions” é como vagar por uma cidade e naves espaciais abandonadas enquanto o tempo se desfaz ao seu redor. É o som das rachaduras. E é lá, entre os escombros e os ecos, que Minorarc encontra sua arte.