A música instrumental — em especial o metal instrumental — está em festa com a chegada de mais uma obra impecável da Huey, banda paulistana que, acima de qualquer nota, riff ou arranjo, sabe exatamente o que dizer — mesmo sem pronunciar uma única palavra. Eles nunca dizem, mas sempre dizem.
Se ainda não teve o prazer de escutar Huey, saiba que está diante de uma experiência rara: uma música que dispensa a voz para falar com a alma. Aqui, não há letras que guiem — há emoções que conduzem. É arte feita para espíritos inquietos, que não se satisfazem com o comum e buscam o novo com o coração aberto.
Com um EP (“¡Qué no me chingues, wey!” – 2010) e dois álbuns (“Ace” – 2014 e “MA” – 2018) na bagagem, Dane El, Vina e Minoru (guitarras), Vellozo (baixo) e Rato (bateria) celebram quinze anos de amizade e de banda com o belo e sugestivo “Quinze”, disco com pouco mais de 20 minutos e quatro faixas, que detalho a seguir.
“Passagem”: com introdução fúnebre, quase como trilha sonora que toca no portal da transição para o final do mundo, tem arranjos quebrados e uma bateria que pede socorro, ao mesmo tempo que te convida a respirar e a reagir. Soa como um rito, uma marcha para o sacrifício de corpos, ou uma paixão que flerta com o abismo em sua despedida mais elegante. É um grande abre-alas e, sem medo de errar, a minha faixa favorita do disco.
“Manhã”: talvez seja a faixa mais melódica do disco — mas isso depende muito de como cada um absorve a canção. No meu caso, por exemplo, foi exatamente essa a sensação! Os arranjos de cada instrumento fluem com limpidez, criando uma atmosfera cinza, como uma reza que clama por piedade o tempo todo. Ao mesmo tempo, é uma música solar, cheia de esperança. Como explicar isso? Sei lá! É a magia que só a Huey tem a capacidade de materializar.
“Faísca”: começa com uma linha de baixo absurda, que já anuncia a complexidade de uma faixa que, acima de qualquer suspeita, entrega uma estética stoner em homenagem clara aos seus ídolos. É limpa, mas é poluída. É moderna, mas é nostálgica. Remete a várias bandas do gênero, mas o que ouvimos aqui é uma Huey madura, entregando o ouro ainda mais lapidado — para os amantes da música instrumental derreterem lentamente de felicidade.
“Submersa”: mais que uma canção, é um acontecimento. Passa a sensação de vida entrelaçada ao renascimento pós-morte. Funciona como um convite a derrubar os muros dos sentimentos pesados e se reinventar em um manifesto que equilibra amor e coragem. Tudo isso mergulhado em um stoner/grunge sofisticado e, claro, sujo — como manda a especialidade da casa.
Com “Quinze”, a Huey reafirma por que é uma das bandas mais inventivas e necessárias do cenário instrumental brasileiro. Em apenas quatro faixas, eles entregam densidade, beleza, peso e emoção. É um disco curto no tempo, mas imenso no impacto — e uma celebração à altura de seus quinze anos de estrada.
Vida longa a Huey!
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