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Adeus ao Madman: “Fui ao último show do Ozzy”

Adeus ao Madman: “Fui ao último show do Ozzy”

27 de julho de 2025


Crédito das fotos da galeria: Ross Halfin/Live Nation
Fotos que acompanham o texto: Acervo pessoal

(Nota do editor: Confira um relato emocional da Laís, fã do Black Sabbath, que foi ao último show do Madman. Uma experiência que marcou não só sua vida, mas também seu coração para sempre. Do caos das filas virtuais à emoção indescritível na grade, ela cruzou o oceano para realizar um sonho que virou despedida. Entre lágrimas, nervosismo e gratidão, essa é uma história sobre música, pertencimento e a força de um ídolo que mudou tudo.)

Quando o show foi anunciado, no dia 5 de fevereiro, eu soube por volta das 10h da manhã — e às 11h eu já estava com o visto do Reino Unido aprovado, porque o processo é online.

O processo de compra foi bem complicado, tinham muitas pré-vendas, foram usados dois sites: um da Live Nation e outro da Ticketmaster. O da Live Nation em si era devido a uma pré-venda. Eu tentei comprar na pré-venda do artista, na pré-venda da Live Nation e na venda geral.

Neste processo, um grupo de amigos se mobilizou para tentar me ajudar. Meu usuário foi bloqueado diversas vezes porque a Ticketmaster UK tem um sistema anti-cambismo, em que você não pode logar na mesma conta de dispositivos diferentes, nem abrir segundas telas. E eu estava com a conta logada no celular e na fila pelo notebook — foi um caos. As vendas começavam às 7h da manhã aqui, e neste horário eu costumo estar me deslocando pro trabalho. No segundo dia eu consegui trabalhar de casa, mas não consegui comprar. No último dia, da venda geral, eu tive que madrugar (levo duas horas pra chegar no trabalho) para às 7h já estar na empresa, com uma conexão de rede estável, para evitar qualquer imprevisto.

A venda geral foi na sexta-feira, 14 de fevereiro. Eu e meus amigos iniciamos do começo da fila, que abria 06h45, e eu só consegui comprar o ingresso às 14h.

Neste meio tempo, um amigo meu havia conseguido selecionar um ingresso na cadeira, no fundo do estádio. Conseguimos mandar pro carrinho e finalizar o processo, mas meu banco bloqueou o cartão achando a compra suspeita e eu perdi o ingresso, porque o tempo de reserva era só 12 minutos.

Enfim, depois de certo tempo eu “liberei” meus amigos de tentarem, pois eles tinham as próprias responsabilidades, empregos etc., mas eu continuei insistindo, atualizando a página, e sempre a mesma coisa: mapa do estádio todo esgotado, habilitava um setor, clicava, ele sumia. E eu fiquei nessa por 7 horas, até que a pista geral habilitou. Eu cliquei, apareceu para mandar pro carrinho, eu mandei — e foi. Eu já estou acostumada com compras online e ingressos que esgotam rápido, mas esse foi totalmente diferente. As posições na fila eram gigantes; quando chegava sua vez, já estava tudo esgotado. Tinha que ficar atualizando. Quando consegui selecionar um ingresso, além do nervosismo, tudo em inglês, o medo de apertar em algo errado, a tremedeira, digitar dados do cartão, endereço, ir no aplicativo do banco para confirmar que era eu mesma… tudo isso nos 12 minutos que pareciam 2. Me senti desarmando uma bomba em um pit stop.

Depois de 3 dias tentando, só consegui no terceiro, 7 horas depois do início das vendas.

Minha posição na fila era 118244 e eu consegui na base da insistência.

No mesmo dia, eu reservei um hotel em Birmingham e comecei a procurar a passagem. Foi bem difícil toda a logística. A coisa mais fácil foi o hotel. Tive problema com a companhia aérea, que não parcelou minha compra. Tive que cancelar a passagem, aguardar estorno, depois o valor que já era alto aumentou.

Os valores, no geral, foram absurdos. Eu peguei dinheiro de todos os lugares possíveis: férias, antecipei décimo terceiro, abono salarial, cartão de crédito emprestado, dinheiro emprestado com familiares… Foi tudo “corrido”, porque era um tempo curto (fev a jul) para conseguir tanto dinheiro. Eu conseguiria valores mais baixos se fizesse algumas manobras, como fazer trechos de trem, escalas maiores, ficar em hostel, mas eu estava com muito receio. Eu nunca tinha saído do Brasil, só tinha andado de avião 2x (ida e volta de SP pro RJ), e fazer isso sozinha, em inglês… eu não estava muito confiante.

Eu já sou acostumada a ir sozinha em shows e festivais, já dormi em fila sozinha, mas mesmo pra mim, que me considero mais “corajosa”, foi muito difícil me preparar psicologicamente — principalmente pela barreira linguística. Apesar de ter feito um curso básico na adolescência, eu nunca tinha colocado meu inglês à prova.

Fui, tive problemas com atraso em escala. Apesar de uns perrengues nada chiques, eu me virei e deu tudo certo.

Em Birmingham, nos locais relacionados à banda — fachada do Pub The Crown, mural de grafite com autógrafos e até no famoso banco que fica na ponte que leva o nome da banda — todas as pessoas estavam com a mesma energia e felicidade. Todo mundo muito feliz por estar ali, se abraçando, e a comunicação entre os fãs era o menor dos problemas. Inglês não era a primeira língua de quase ninguém. Encontrei chilenos, mexicanos, gregos e outros que não cheguei a saber de onde eram. Estávamos todos compartilhando o mesmo sonho, todos se olhavam sorrindo. Foi uma experiência muito diferente de tudo que já vivi relacionado à música.

No dia do show, para costumes brasileiros, eu não cheguei cedo na fila. Cheguei às 07h. Não tinham muitas pessoas. O processo todo foi muito organizado: divisões para dispersar a fila, revista, leitura de ingresso, tudo aconteceu antes da abertura. Quando abriram, às 11h, fomos andando devagar, com uma contenção de seguranças fazendo corrente humana. Quando já no meio da pista eles liberaram, corri procurando uma brecha na grade (meu ingresso era pista geral comum; tiveram outras categorias de VIP/entrada antecipada). Meu olho já é treinadíssimo pra grade e peguei um ótimo lugar.

No show, a atmosfera que eu tinha vivido nos dias anteriores pelos pontos turísticos da banda estava muito maior. Normalmente minha ansiedade passa quando eu entro nas casas/estádios e vejo que consegui ficar na grade. Mas lá não passou. As bandas que fizeram as aberturas — que em todos os lugares são headliners fodidos — não me interessaram nem um pouco. Todas as apresentações foram impecáveis, cheias de emoção, mas eu estava contando as horas pelo Ozzy.

Quando chegou a hora, que soltaram um vídeo com uma retrospectiva do Ozzy, eu já comecei a chorar e chorei até o final da apresentação solo.

Todos os sentimentos foram muito fortes. Primeiro, eu estava realizando meu sonho de vê-lo, e ao mesmo tempo eu via o peso da passagem do tempo, da velhice, do quanto ele também queria estar ali, de que aquela seria sua última apresentação e o significado de tudo aquilo, de estar ali vivendo aquilo. Apesar do setlist curto, a intensidade do momento fez parecer que durou mais.

Depois, ver a formação original toda presente — aquilo eu nem ousava sonhar — mas foi igualmente significativo. Ver todos ali, igual eu via nos DVDs, eu só conseguia me sentir a pessoa mais sortuda da Terra.

Com a passagem do Ozzy, a experiência toda ganhou um significado mais profundo. Apesar de já ter sido uma experiência única, enxergar o impacto da banda na minha vida de uma forma mais dissecada, voltar às memórias da minha introdução à música pesada, como isso moldou as fases que vivi, como a música ganhou tanta importância pra mim — e que isso só foi possível por esses caras, principalmente o Ozzy, que foi uma figura tão emblemática… Como isso foi um divisor de águas pra mim e pra tanta gente. Eu posso falar o quanto for pra tentar expressar, mas sinto que não é o suficiente, não consigo descrever.

Quando o sonho de uma vida encontra o fim de uma era

Eu só comecei a ir em shows quando meu contexto socioeconômico permitiu, o que foi tarde (2019).
Uma certeza que sempre tive e falava pra todo mundo, é que em qualquer oportunidade, eu iria atrás dele. Eu já sabia que, pelas condições de saúde, não iriam rolar mais shows no Brasil. Então tirei o passaporte em 2023, quando ele foi anunciado no PowerTrip, mas o tempo de espera do visto dos EUA e o dinheiro não estavam ajudando (na época eu estava trabalhando em um call center, ganhando menos de um salário mínimo — mas eu estava disposta a meter o louco). No fim, não rolou pra mim, nem pro Ozzy, que cancelou por motivos de saúde.
Quando o Back to the Beginning foi anunciado, em 20 minutos eu já estava com o ETA (visto do UK) aprovado. Eu já sabia que iria de qualquer forma, e fui.
Com o cu trancadasso por vários motivos óbvios, mas fui. Eu só queria saber do show — na minha cabeça, o resto eu via na hora.
Quem tentou comprar ingresso sabe o quão difícil foi, quase impossível. Mas, apesar do nervoso e tremedeiras, eu sabia que daria certo, porque não ir não era uma opção. Realizei meu sonho. Chorei feito criança do início ao fim, e fiquei essas duas semanas vivendo tudo de novo nas minhas memórias — e até agora continua parecendo mentira.

Não tem como não sentir a partida de uma pessoa que impactou tanto a minha vida. Ozzy significa muito pra muita gente. Sua personalidade trouxe representatividade, pertencimento e coragem. Como foi reconfortante conhecer ele na primeira pior fase da vida, que é a pré-adolescência ?
Ganhei um lugar, consegui me enxergar, me entender.
A música dele deu origem aos infinitos subgêneros das bandas que eu ouço e que hoje me fazem viver de show em show. O cara me deu um hobby, uma paixão que me deu muitas experiências, momentos e pessoas incríveis.
Tô num misto de sentimentos, mas o principal é de gratidão.
Um morcego bateu as asas lá na roça da Inglaterra e gerou um furacão aqui na favela de São Paulo.

Obrigada, Madman 🖤🦇

Galeria do show