Metal e Dopamina

Metal e Dopamina: Quando a música abre as portas da memória

Metal e Dopamina: Quando a música abre as portas da memória

12 de agosto de 2025


Como comunicóloga e alguém que cresceu com os dois pés no mosh pit, já vivi — e pesquisei — o suficiente para afirmar que a música não é apenas trilha sonora: ela é memória viva. Pesquisas mostram que a música tem o poder de evocar lembranças vívidas e emocionantes. As chamadas Memórias Autobiográficas Evocadas por Música (MEAMs, na sigla em inglês) são recordações de experiências pessoais desencadeadas pela audição de uma canção. Elas surgem de forma espontânea, sem esforço consciente, e frequentemente nos transportam para acontecimentos, pessoas ou lugares marcantes do passado.

A ciência aponta um momento-chave para essa conexão: a adolescência. Especialistas indicam que o gosto musical costuma se consolidar entre os 13 e 17 anos — fase em que emoções e vivências se fixam de forma duradoura na memória e moldam a arquitetura cerebral. Para quem cresceu no rock ou no metal, esse período é quase um ritual de iniciação, definindo não só o que ouvimos, mas também com quem andamos, como nos vestimos e até como nos relacionamos.

O psicólogo cognitivo e neurocientista Daniel Levitin, em This Is Your Brain on Music: The Science of a Human Obsession (2007), explica que essa faixa etária coincide com um pico de plasticidade emocional: o cérebro está especialmente sensível e absorve como definitivo grande parte do repertório musical que carregaremos para a vida adulta. Não por acaso, basta um único riff ou a batida inicial daquela música ouvida aos 15 anos para acender uma faísca elétrica no corpo, capaz de alterar o estado de humor e abrir um atalho instantâneo — seja para a melancolia ou para uma sensação de bem-estar.

Estudos publicados no Journal of Positive Psychology mostram que músicas associadas a boas lembranças aumentam os níveis de dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer e à motivação, ajudando a reduzir emoções negativas e até sintomas de estresse.

Nico Elgstrand (Katatonia, ex-Entombed / Entombed A.D, ex-Terra Prima). Foto: Natália Eidt/Metal no Papel

O relato do músico e produtor finlandês Nico Elgstrand (Katatonia, ex-Entombed / Entombed A.D, ex-Terra Prima) ilustra de forma quase perfeita o que a ciência descreve:

“Eu era completamente metalhead nos meus primeiros anos — Priest, Maiden, Accept, Motörhead, Sabbath, etc. Toda aquela coisa boa!
Basicamente, se você não curtia metal, eu nem perdia tempo com você naquela época, então dizer que isso influenciou minha forma de interagir é colocar de maneira bem suave!
Quando ouço hoje, sinto uma mistura de melancolia, um sorriso ao lembrar dos bons tempos em que tudo era possível e também uma saudade daqueles dias perdidos para sempre.
E uma certa tristeza ao perceber que a minha música — que antes era extrema, perigosa para a sociedade e quase proibida — agora é considerada completamente inofensiva, mainstream, e apenas aquilo que os pais escutam enquanto fazem compras no supermercado… enquanto a juventude de hoje revira os olhos e fica constrangida porque é ‘música de gente velha’.”

Essa combinação de nostalgia, mudança de contexto cultural e impacto emocional imediato é justamente o que pesquisas de autores como Oliver Sacks, Stefan Koelsche o próprio Levitin apontam: a música ativa áreas do cérebro ligadas à memória, emoção e recompensa, reacendendo sensações do passado ao mesmo tempo em que molda nosso estado emocional no presente.

E aqui entra o lado pessoal, mas que a maioria dos fãs de música conhece bem. Aquele ingresso amassado guardado há anos. O frio na barriga segundos antes do primeiro acorde de um show aguardado. O trajeto até o local, a companhia, as conversas que só faziam sentido naquele momento… São detalhes que não ficam presos no passado: viram gatilhos, e quando se encontram com a música certa, têm o poder de mudar completamente o presente. Quando a música se alinha à nossa história, ela deixa de ser apenas arte: torna-se um portal, um elo vivo entre quem fomos e quem ainda somos.

E você? Qual música ouvia na adolescência que atualmente tem o poder de alterar seu estado de espírito?

Referências bibliográficas e dicas para leitura:
• A música no seu cérebro: A ciência de uma obsessão humana (2021) — Daniel Levitin
• Alucinações musicais – Relatos sobre a música e o cérebro (2007) — Oliver Sacks
• Good Vibrations: Unlocking the Healing Power of Music (2025) — Stefan Koelsch (por enquanto disponível apenas em inglês)

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