Há 30 anos, em 3 de novembro de 1995, o Raimundos lançava “Lavô tá Novo”, segundo álbum da discografia desta banda, que foi a mais importante no cenário nacional durante a década de 1990 e que é tema do nosso Memory Remains desta segunda-feira.
Tal como a cena Rock e Metal mundial, o Rock brasileiro também sofreu um declínio das bandas que fizeram sucesso na década anterior: a maioria absoluta dessas bandas se separaram ou fizeram trabalhos fracos. O exemplo que fugiu um pouco do padrão foi o Titãs, que até “Titanomaquia” (1993) produzia discos irrepreensíveis, mas depois seguiu a regra e isso abriu as portas para uma verdadeira legião de boas bandas de todos os cantos do Brasil que pediam espaço.
Porém, os próprios membros do Titãs foram responsáveis pela renovação do estilo. Junto com o produtor e crítico musical Carlos Eduardo Miranda, fundaram o selo Banguela, com apoio logístico da Warner. E o Raimundos foi a banda que se destacou dentre todos as bandas que foram lançadas pelo selo. O álbum de estreia estourou nas rádios e na MTV, com músicas que embalaram uma geração como “Puteiro em João Pessoa“, “Palhas de Coqueiro”, “Bê s Bá“, “Nêga Jurema“, “Rapante” e principalmente, “Selim“. Havia uma cláusula no contrato que previa um segundo disco, já pela major. E o Raimundos se aproveitou desse fator.
A Warner, por sua vez, estava interessada em vender, obviamente, e fez valer a cláusula que previa a assinatura do contrato e levou os candangos para seu casting. O Raimundos havia feito uma mistura genial e inusitada: o hardcore com forró, chamado por muitos de forrócore. Talvez a banda não fosse a banda mais talentosa dentre todas que gravaram álbuns pela Banguela. O Little Quail era uma banda com uma pegada mais visceral e em Brasília todos davam como certa que era o trio liderado por Gabriel Thomaz que estouraria.
Assim sendo, o produtor Mark Dearnley foi chamado e a banda se juntou no estúdio Mosh para produzir o vindouro álbum. A escolha de Dearnley foi fundamental para que a banda ganhasse em peso; o cara tinha experiência e já havia produzido bandas como Black Sabbath, AC/DC e Def Leppard. A mixagem e masterização aconteceram em Nova Iorque, nos estúdios “Pacifique” e “Precision Mastering”, respectivamente. A capa é um capítulo à parte: na frente, está estampada a foto do seu Josias, que era vigia noturno do Be Bop, estúdio onde a banda gravou seu disco de estreia. Ele vendeu a sua imagem por R$300, o que na época equivalia a uns três salários mínimos. Nada mal, não é? Na parte de trás, uma bunda feminina aparece, o que nos dias de hoje geraria muita controvérsia. Até hoje não se sabe sobre o paradeiro da dona do glúteo.
Gabriel Thomas, que hoje é líder do Autoramas e na época era guitarrista/ vocalista do Little Quail and the Mad Birds, contribuiu escrevendo a letra de “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)”, também fez o vocal e tocou violão nesta música. O rapper X também gravou o vocal de rap que podemos escutar na segunda estrofe da música “Cabeça de Bode“. Guilherme Bonolo, amigo e colaborador da banda, gravou também backing vocal e percussão e alguns outros convidados gravaram o naipe de metais que escutamos em “Opa! Peraí Caceta“.
As letras seguiam com os mesmos temas do álbum anterior: sexo, maconha, costumes nordestinos, só que agora a parte sexual estava mais aflorada, vamos assim dizer. “Tora Tora” é o maior exemplo disso. “Esporrei na Manivela“, uma canção de domínio público foi transformada em um Hardcore e a banda fez uma versão para “O Pão da Minha Prima“, canção do forrozeiro Zenilton, que participou novamente do disco. Alguns nomes estranhos foram sugeridos para o play como “Beleza” e “Dedo Amarelo”, mas acabaram optando por “Lavô Tá Novo“, uma clara referência ao duplo sentido comumente utilizado pelo artistas do forró.
Botando a bolacha para rolar, temos duas constatações antagônicas: a sonoridade estava ainda mais aflorada, e o Raimundos soava ainda mais pesado, ainda que os elementos do Hardcore e do Forró permaneciam muito vivos. Por outro lado, as letras envelheceram muito mal. Na época, parecia ser uma coisa legal, e foi importante para muitas pessoas, inclusive para este redator que vos escreve que era um adolescente na época do lançamento, mas hoje, quem cresceu e amadureceu, pôde perceber que o tempo foi implacável com letras que romantizavam o uso de drogas e a sexualização feminina. Óbvio que existirão aqueles que irão discordar dessa última parte, mas tanto a banda quanto as letras envelheceram mal.
Mas musicalmente, “Lavô tá Novo” é um disco sensacional, do ponto de vista das músicas. Muitas delas viraram hinos do Rock nacional como “Tora Tora“, “Eu Quero Ver o Oco!“, “O Pão da Minha Prima“, “Pitando no Kombão“, “Bestinha“, “Esporrei na Manivela”, a inocente (e talvez a única que tenha envelhecido bem) “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)”, “Cabeça de Bode” e “Herbocinética“. São doze músicas e nós citamos nove delas, o que mostra a importância que o álbum teve para o Rock brasileiro. A duração do play é de 35 minutos.
A receptividade ao álbum foi a melhor possível, tanto da crítica especializada quanto do público e a partir deste momento era comum ver o Raimundos tocando em todos os lugares do Brasil. As vendas foram excelentes e renderam à banda a certificação com Disco de Platina, algo muito raro aqui no Brasil, principalmente se tratando de banda de Rock.
O Raimundos caiu na estrada, colhendo os frutos das críticas favoráveis e de ter caído no gosto do público. Como prêmio, a banda se apresentou no “Hollywood Rock” e no “Phillips Monsters of Rock”, ambos no ano de 1996. No primeiro, a banda se apresentou na mesma noite de Urge Overkill, The Black Crowes e Jimmy Page e Robert Plant, e no Monsters, a banda tocou ao lado de nomes como Mercyful Fate, King Diamond, Helloween, Motörhead, Skid Row, Iron Maiden, entre outros.
Hoje em dia o Raimundos tornou-se uma espécie de alter ego de Digão, que acumula também o vocal. Canisso nos deixou em 2023, Rodolfo se converteu ao cristianismo e se tornou um bolsonarista raíz, simplesmente ignora todo o seu passado na banda, e Fred toca em alguns projetos. O Raimundos segue tocando, ano passado abriu os shows do Biohazard e recentemente abriu os shows da turnê que o Guns N’ Roses fez por nosso país, mas o período glorioso parece ter ficado lá atrás no passado.

Lavô tá Novo – Raimundos
Data de lançamento – 03/11/1995
Gravadora – Warner
Faixas:
01 – Tora Tora
02 – Eu Quero Ver o Oco!
03 – Opa! Peraí Caceta
04 – O Pão da Minha Prima
05 – Pitando no Kombão
06 – Bestinha
07 – Esporrei na Manivela
08 – Motivo Pra Desquitar (Ela tá Dando)
09 – Sereia da Pedreira
10 – I Saw You Saying (That You Say That You Saw)
11 – Cabeça de Bode
12 – Herbocinética
Formação:
Rodolfo – vocal/ triângulo/ guitarra em “Tora Tora” e “Eu Quero Ver o Oco!”
Digão – guitarra/ backing vocal
Canisso – baixo/ backing vocal
Fred – bateria/ backing vocal
Participações especiais:
Zenilton – vocal em “Esporrei na Manivela” e “Tá Querendo Desquitar (Ela tá Dando)”/ sanfona em “Esporrei na Manivela“
X – vocal em “Cabeça de Bode“
Betinho – Percussão em “Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)”
Bruno – Percussão em “Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)”
Gabriel Thomaz – voca/ violão em “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)“
Gibi – scratch em “Cabeça de Bode“
Guilherme Bonolo – backing vocal/ percussão em “Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)“
Hugo Hori – metais em “Opa! Peraí, Caceta“
Marcelo – metais em “Opa! Peraí, Caceta“
Rubão – voz da introdução em “Opa! Peraí, Caceta“
Tiquinho – metais em “Opa! Peraí, Caceta“