Resenhas

Naskimentu, Resisténsia, Despedida

Sodade

Avaliação

8.5

Em Naskimentu, Resisténsia, Despedida, o Sodade se apresenta não apenas como banda, mas como um organismo em mutação constante, que parece respirar o desconforto e exalar a transcendência. O EP é uma espiral de densidade emocional e rigor sonoro, uma narrativa sobre o ciclo inevitável da existência (nascer, resistir, esvaziar, morrer ) sem jamais oferecer o consolo da linearidade.

O que a banda propõe aqui é uma travessia pela textura da dor e da contemplação, construída com o mesmo peso tectônico que sustenta o post-metal contemporâneo, mas dotada de uma linguagem mais filosófica do que simplesmente estética.

“ORTO” abre o trabalho com uma tensão que parece querer rasgar o próprio silêncio. A faixa se constrói em camadas de dissonância e expectativa, como se o nascer — ou o primeiro grito fosse uma ruptura física. As guitarras se entrelaçam em um crescendo que evoca o desconforto de bandas como Amenra e Cult of Luna, enquanto a bateria opera como âncora e martelo, marcando o compasso da criação. O nascimento, aqui, não é um evento celebratório, mas uma insurgência contra o nada.

Em “INERTIA”, a banda assume o peso da resistência como tema e sensação. O ritmo arrastado e a densidade dos riffs traduzem a luta contra a estagnação, enquanto a produção mantém um senso de proximidade claustrofóbica. É o tipo de faixa que não se ouve buscando catarse, mas enfrentamento: cada nota parece uma força contrária à desistência, um gesto de teimosia existencial. Nesse ponto, o Sodade demonstra domínio sobre a manipulação do tempo, expandindo e contraindo o pulso, como se quisesse deformar a própria percepção do ouvinte.

“LACUNA”, instrumental, é o vácuo entre a dor e a dissolução. Funciona como uma espécie de respiração suspensa, onde o silêncio tem corpo e intenção. Sua presença reafirma que o peso emocional do EP não reside apenas na distorção, mas na ausência, o que é uma escolha de maturidade composicional rara.

“VALE”, por sua vez, encerra o ciclo com uma melancolia que não se dissolve, mas se amplia até se tornar horizonte. É o tipo de final que não oferece respostas, apenas o eco de algo que já foi e continua sendo.

Conceitualmente, Naskimentu, Resisténsia, Despedida é uma síntese da estética que o Sodade vem desenvolvendo: uma alquimia entre o metal atmosférico, o sludge introspectivo e o experimentalismo pós-black. Há rigor formal e propósito filosófico, e ambos se alimentam mutuamente. Se em outros contextos o uso de metáforas existenciais poderia soar pretensioso, aqui o discurso se sustenta na coerência entre som e ideia.

O resultado é um trabalho que exige do ouvinte não passividade, mas disposição para o confronto. E no fim, talvez seja justamente isso que a Sodade entende por liberdade: o som como pensamento em ruína e reconstrução.