Crédito das fotos: Carlos Pupo/Headbangers News

Em uma noite que ficará gravada na memória dos amantes de folk pagão em São Paulo, a banda alemã Faun transformou o Carioca Club em um portal temporal para florestas ancestrais e celebrações medievais. Com casa lotada e uma energia contagiante, o quinteto demonstrou por que é uma das forças mais respeitadas do cenário folk europeu.

Desde os primeiros acordes, ficou claro que não estávamos diante de um show comum. O Carioca Club, completamente tomado por fãs ávidos, vibrava com uma atmosfera quase ritualística. Muitos presentes vestiam roupas inspiradas em estética medieval e pagã, criando uma comunhão visual que complementava perfeitamente a proposta da banda.

A conexão entre Faun e o público brasileiro foi imediata e profunda. A cada canção, a resposta era mais intensa, com palmas ritmadas e coros espontâneos, mesmo em músicas cantadas em alemão medieval ou línguas nórdicas antigas.

Oliver s. Tyr, como frontman e vocalista principal, conduziu a apresentação com carisma e presença de palco magnética. Sua voz, junto ao seu mandolin, ora potente, ora sussurrada, serviu como fio condutor para a jornada musical proposta pela banda.

Mas foi Stephan Groth quem provocou algumas das reações mais efusivas da noite. Encarregado do hurdy-gurdy (ou sanfona de roda medieval), Stephan surpreendeu a todos ao se comunicar em um português impecável, estabelecendo uma conexão instantânea com os presentes. A naturalidade com que se expressava em nosso idioma contrastava com a complexidade técnica de seu instrumento ancestral, demonstrando um preparo que ia muito além do musical.

Adaya encantou com sua maestria nos instrumentos de sopro, extraindo melodias hipnóticas de flautas e gaitas que pareciam invocar espíritos da natureza. Alex, na percussão, manteve o pulso tribal que fez corpos dançarem incessantemente, enquanto Niel, nos sintetizadores, criou as texturas atmosféricas que deram profundidade moderna ao som ancestral da banda.

O setlist equilibrou com perfeição clássicos adorados pelos fãs e novidades que apontam para o futuro da banda. Abriram com “Baldur”, cuja invocação ao deus nórdico da luz e beleza estabeleceu o tom místico da noite. “Diese kalte Nacht” (que a banda introduziu como ‘This Cold Night’) e “Alba II” mantiveram a energia elevada, enquanto “Walpurgisnacht” transformou o clube em uma verdadeira celebração pagã, com o público batendo palmas.

Um dos momentos mais memoráveis foi o solo de Stephan Groth no hurdy-gurdy, demonstrando toda a versatilidade deste instrumento medieval raramente visto em palcos brasileiros. A execução virtuosa arrancou aplausos prolongados e gritos de admiração.

Mas o ponto alto da noite, sem dúvida, foi a estreia mundial de “Nimue”, faixa que integrará o aguardado novo álbum “Hex”, com lançamento previsto para 5 de setembro de 2025. A música, que no disco contará com a participação da aclamada Chelsea Wolfe, já se mostrou poderosa mesmo sem a presença da convidada. A peça, que evoca a figura da Dama do Lago da mitologia arturiana, combina elementos rituais com uma estrutura quase cinematográfica, sugerindo que “Hex” poderá ser um dos trabalhos mais ambiciosos da banda até hoje.

“Odin”, “Iduna” e “Galdra” formaram um bloco de intensidade crescente, enquanto “Rhiannon”, inspirada na deusa celta, encerrou o set principal com beleza etérea.

No encore, “Wenn wir uns wiedersehen” trouxe um momento de comunhão coletiva, com o público tentando cantar a letra em alemão em uníssono. A noite se encerrou com a poderosa “Hymn to Pan”, transformando o Carioca Club em um verdadeiro templo dedicado ao deus dos bosques e da natureza selvagem.

Esta primeira apresentação de Faun em São Paulo não foi apenas um show, mas uma experiência imersiva que transcendeu o musical para tocar o espiritual. A banda demonstrou por que é considerada uma das principais embaixadoras da música folk pagã no mundo, conseguindo o feito raro de soar simultaneamente autêntica em suas raízes medievais e relevante para sensibilidades contemporâneas.

Se o show é um indicativo do que podemos esperar de “Hex”, o novo álbum promete ser um marco não apenas na carreira da banda, mas no gênero como um todo. Faun provou que a música ancestral não é relíquia de museu, mas força viva que continua a ressoar profundamente com o espírito humano, mesmo em meio ao caos digital do século XXI.

Para os sortudos que estiveram presentes no Carioca Club naquela noite mágica de julho, restou a certeza de terem participado não apenas de um concerto, mas de um ritual sonoro que, como os antigos encantamentos que inspiram a banda, permanecerá ecoando por muito tempo.

SETLIST:

Baldur

Diese kalte Nacht

Alba II

Walpurgisnacht

Nacht des Nordens

(Stephan Groth Solo)

Blaue Stunde

Andro

Nimue

Odin

Iduna

Galdra

Wind & Geige

Rhiannon

Encore:

Wenn wir uns wiedersehen

Hymn to Pan

Galeria do show