Shows

Emo Vive: uma noite de clássicos e reencontros

Emo Vive: uma noite de clássicos e reencontros

9 de junho de 2025


Crédito das fotos: Tamires Lopes/Headbangers News

No sábado, 07 de junho, a casa Audio, em São Paulo, se transformou em uma cápsula do tempo. Ao reunir bandas nacionais e internacionais que marcaram gerações, o festival Emo Vive, organizado pelo coletivo Polifonia, criou mais do que uma noite de shows. Foi uma celebração do que o emo significou (e ainda significa) para milhares de pessoas. Uma noite para gritar junto, se emocionar, encontrar gente parecida e viver uma catarse coletiva ao som de letras intensas, refrões grudentos e guitarras que soam como desabafo.

O friozinho da cidade deu o tom do reencontro. Mesmo sem chuva, o clima remetia aos rolês de calçada de um tempo em que o fone de ouvido era mais importante que o feed, e a camiseta da banda era declaração de identidade. O público parecia uniformizado: flanelas, all stars, coturnos, delineador escorrido e muitas camisetas de bandas, tanto clássicas quanto novas. A sensação era a de estar caminhando por 2005, mas com a consciência e a intensidade de quem resistiu, cresceu e ainda se reconhece nessa estética e nesse som.

boasorte: o novo emo vindo do interior

A primeira banda da noite foi a boasorte, formada por músicos do interior paulista. Ainda pouco conhecida do grande público, a banda vem se destacando por trazer uma sonoridade que mistura emo, rock alternativo e um lirismo direto e sincero. Com letras que falam de cotidiano, luto, tempo e amizade, a boasorte tem conquistado um público fiel entre os mais jovens, mas também cativa quem viveu os anos 2000 e se identifica com a vulnerabilidade presente nas composições.

A apresentação da banda foi marcada por energia e presença de palco. Ainda com a casa enchendo, os integrantes tocaram como quem sabe que está marcando um momento importante. Ao vivo, as músicas ganham peso e alma, e o vocal é entregue com intensidade real. Eles não só abriram a noite, como também abriram o coração de muita gente.

Setlist – boasorte

laranja

cinza

incêndios/indícios

eu não ligo mais a tv

amiga do tempo (Unreleased)

fod3

cidade caos

indelével

Hateen: pilares do emo nacional

Na sequência, subiu ao palco a Hateen, banda paulistana na ativa desde os anos 1990 e foi peça-chave na consolidação do emo e do hardcore melódico no Brasil. Conhecidos por letras confessionais e por uma sonoridade que mescla peso e melodia, a Hateen se destacou por cantar em inglês em boa parte da carreira, o que também os aproximou da cena internacional.

Ver a Hateen ao vivo é sempre um lembrete do quanto a cena emo brasileira foi construída com garra, independência e muita estrada. Mesmo com mais de 30 anos de carreira, a banda segue com vigor e entrega. A apresentação foi visceral, barulhenta e apaixonada. Exatamente como se espera de uma banda que nunca deixou de acreditar no underground.

Setlist:

A New Way to Die

404 Not Found

Mr. Oldman

Day After Day

Silence Be My Friend

In Circles (cover da banda Sunny Day Real Estate)

My Birthday

Divide Us

Danger Drive

Mae: sensibilidade progressiva

Uma das bandas internacionais mais aguardadas da noite, a americana Mae (acrônimo de Multi-sensory Aesthetic Experience) é conhecida por sua abordagem sensível e experimental dentro do emo. Misturando rock alternativo, emo e elementos progressivos, o grupo lançou em 2005 o disco The Everglow, uma obra conceitual que virou culto entre fãs da cena.

Assistir à Mae ao vivo, tocando esse disco na íntegra, foi como presenciar a encenação de um livro musical. Cheio de metáforas visuais e poéticas, o show teve uma atmosfera contemplativa, quase onírica. Cada música era recebida com entusiasmo silencioso, como quem lê um trecho importante de um livro querido. A conexão emocional com o público era palpável. Foi um dos momentos mais emocionantes da noite.

Setlist — Mae (The Everglow na íntegra)

Prologue

We’re So Far Away

Someone Else’s Arms

Suspension

This Is the Countdown

Painless

The Ocean

Breakdown

Mistakes We Knew We Were Making

Cover Me

The Everglow

Ready and Waiting to Fall

Anything

The Sun and the Moon

Emery: grito, fé e catarse

A Emery, também dos EUA, trouxe uma energia completamente diferente. Com raízes no post-hardcore cristão, a banda ganhou destaque no início dos anos 2000 por seu equilíbrio entre agressividade sonora e letras reflexivas sobre fé, dúvida, relacionamentos e identidade.

Tocando o disco The Question, de 2005, um clássico absoluto da cena, a Emery colocou a casa para pular, gritar e cantar junto em um dos sets mais intensos da noite. Alternando vocais melódicos e gritados, os integrantes mantinham uma energia de palco invejável. A presença de Esteban Tavares como convidado em uma das faixas trouxe ainda mais força emocional à apresentação. Foi um daqueles encontros que só um festival como esse poderia proporcionar.

Setlist — Emery (The Question na íntegra) 

So Cold I Could See My Breath

Playing With Fire

Studying Politics

Left With Alibis and Lying Eyes

Returning the Smile You Have Had From the Start

Listening to Freddie Mercury

In a Win, Win Situation

Encore

The Ponytail Parades

The Party Song

Walls (with Esteban Tavares)

Anberlin: elegância e intensidade

O show da Anberlin foi um dos mais esperados da noite. A banda americana, que mistura rock alternativo com influências do emo, explodiu nos anos 2000 com o disco Never Take Friendship Personal. Foi justamente esse álbum que apresentaram na íntegra no Emo Vive.

Com uma performance impecável, a banda mostrou por que continua sendo referência quando se fala em som bem feito e letras que falam direto ao coração. O público respondeu à altura, cantando todas as faixas em coro, dançando, se emocionando. A interação entre banda e plateia foi tão forte que o set principal ainda teve um bis, com direito a mais hits e aquele gosto de não querer que acabe nunca.

Setlist — Anberlin (Never Take Friendship Personal na íntegra)

Never Take Friendship Personal

Paperthin Hymn

Stationary Stationery

(The Symphony of) Blasé

A Day Late

The Runaways

Time & Confusion

The Feel Good Drag

Audrey, Start the Revolution!

A Heavy Hearted Work of Staggering Genius

Dance, Dance Christa Päffgen

Encore

The Resistance

High Stakes

Godspeed

Fresno: a consagração do emo brasileiro

Fechando a noite, a Fresno subiu ao palco como quem carrega décadas de história e uma base de fãs que atravessou o tempo com a banda. Do underground ao mainstream, a Fresno foi uma das poucas bandas da cena emo nacional que conseguiu se reinventar ao longo dos anos, sem perder o vínculo com suas origens.

A apresentação foi um desfile de hinos emocionais, com direito a pedido de casamento no palco, lágrimas, gritos e um sentimento coletivo de que a gente cresceu junto com essa banda. O vocalista Lucas Silveira, sempre carismático e intenso, guiou o público por diferentes fases da trajetória da Fresno. Um show que era tanto sobre música quanto sobre memória.

Setlist – Fresno 

Intro

O Quarto dos Livros (2003)

Teu semblante

Se algum dia eu não acordar

Stonehenge

O Rio, A Cidade, A Árvore (2004)

Onde está?

Evaporar

Duas lágrimas

Verdades que tanto guardei

Ciano (2006)

A resposta

Alguém que te faz sorrir (Followed by a wedding proposal on stage)

Absolutamente nada

O que hoje você vê

Cada poça dessa rua tem um pouco de minhas lágrimas

Quebre as correntes

Por que esse período foi tão importante para o emo?

O início dos anos 2000 foi um momento singular para a música alternativa no mundo todo. O emo, subgênero derivado do punk e do hardcore, encontrou uma nova roupagem, misturando melodias pop, letras confessionais e uma estética própria. Essa estética se expressava na roupa, nos cabelos, nas redes sociais e nas amizades.

Mais do que um gênero, o emo virou uma cultura. Em um momento de transição entre o mundo analógico e o digital, entre CDs e MP3s, entre o caderno e o blog, o emo ofereceu espaço para expressar sentimentos profundos. Dor, frustração, amor, insegurança, raiva. Sentimentos que muitas vezes não encontravam lugar em outros contextos.

Ver esse movimento renascer, com bandas antigas se apresentando com fôlego renovado e novas bandas ocupando o mesmo espaço, é um lembrete de que não se trata apenas de nostalgia. O emo vive porque seguimos precisando falar sobre o que sentimos. E cantar sobre isso juntos torna tudo mais suportável.

Galeria do show