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Roger Waters e sua despedida fenomenal

Roger Waters e sua despedida fenomenal

13 de novembro de 2023


Crédito das fotos: Marcos Hermes

Roger Waters dispensa apresentações. Dono de uma carreira brilhante, o lendário músico anunciou sua turnê de despedida “This Is Not A Drill” com shows em seis cidades brasileiras, sendo que São Paulo recebeu dois destes shows: dias 11 e 12 de novembro no Allianz Parque.

Assistir ao seu show é ter a certeza de que presenciará um espetáculo muito além da música. Dono de posições políticas muito fortes e sem ter receio de melindrar seja lá quem for, inclusive dentro de sua base de fãs, o show abre com a sutil mensagem: “se você é um daqueles que diz ‘Eu amo o Pink Floyd, mas não suporto a política do Roger’, vaza para o bar”.

Sons de tempestade marcam o início de “Comfortably Numb” em sua nova versão lançada em 2022. Muito mais lúgubre que a original, chegando quase a ser uma marcha fúnebre, especialmente por limar o solo emblemático de David Gilmour (eleito pelos leitores da revista Guitar Player o melhor solo da história), ainda causa certa estranheza entre o público. Roger surge vestido de médico com uma “equipe” e um homem em uma cadeira de rodas com camisa de força.

Se esse início demorou um pouco a ser assimilado, a energia muda totalmente com “The Happiest Days Of Our Lives” que abre espaço para a mega-clássica “Another Brick In The Wall, Part 2” e agora sim, estamos no show de um ex-integrante de uma das maiores bandas da história.

Sem esquecer sua carreira solo, “The Powers That Be” do album “Radio K.A.O.S” apresenta uma espécie de animação com cenas de repressão estatal, nomes de vítimas e seus respectivos “crimes” em todo o mundo, de Anne Frank a George Floyd para chegar até Marielle Franco (vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018 cujo crime ainda permanece sem solução) para uma reação efusiva do público e é seguida por “The Bravery of Being out of Range” de “Amused To Death”, onde os presidentes estadunidenses a partir de Ronald Reagan são mostrados como criminosos de guerra. Impossível assistir a tudo que é exibido e não se indignar, mas uma nova canção apresentada, “The Bar, aponta uma forma simples de resolver as crises e problemas: conversem entre si, assim como fazemos quando vamos a um bar.

“Have A Cigar” marca o retorno do Pink Floyd e são apresentadas no telão cenas daquele período juntamente com momentos dos integrantes, com exceção de um – e adivinha quem foi o “esquecido”?

Lembrando de como ele e Syd Barrett resolveram fundar uma banda, apenas os primeiros dedilhados de “Wish You Were Here” já causam comoção no público que cantou praticamente toda a letra. Essa canção e “Shine On You Crazy Diamond” são verdadeiras odes àquele período e uma justa homenagem a Syd, falecido em 2006 – e talvez mais um recado ao seu eterno desafeto, lembrando-o de que ele foi “apenas” um substituto.

Uma ovelha sobrevoando a platéia ao som de “Sheep”, música espetacular de “Animals”, que tem uma letra que trata de conformismo (um dos trechos diz “submisso e obediente, você segue o líder”) contou com uma interpretação apaixonada de Roger e mensagens que conclamavam à resistência ao capitalismo, ao fascismo e as guerras marca o fim do primeiro ato.

Após um intervalo necessário para assimilar tudo que foi exibido, um porco sobrevoa a platéia decorado igual a capa de “The Wall” com a mensagem “you´re up against the wall right now” (“você está contra a parede agora”) inicia o segundo ato com “In The Flesh”. Desta vez, é Roger que surge sendo empurrado em uma cadeira de rodas usando uma camisa de força – uma inversão em relação ao início do primeiro ato.

Após outra canção de “The Wall”, “Run Like Hell”, um vídeo com pessoas civis sendo fuziladas pelo exército estadunidense no Oriente Médio é exibido. Roger aparece usando um lenço palestino chamado keffieh, igual o que era utilizado por Yasser Arafat – líder da OLP e um dos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz em 1994. Todo esse pano de fundo para a execução de duas canções de seu mais recente álbum “Is This The Life We Really Want?” (É esta a vida que realmente queremos?) de 2017: “Déjà Vu” e a faixa título. Com cenas mostrando os horrores da guerra e vítimas (principalmente crianças), esse é mais um daqueles momentos que causam um “incomodo necessário” e talvez o mais forte de todo o show.

“Money” dá início a “fase Dark Side Of The Moon” do show, com a voz de David Gilmour sendo executada pelo guitarrista Jonathan Wilson, assim como na seguinte “Us And Then”. Óbvio que aparecem comparações com o Pink Floyd, mas todos os músicos são excelentes e nesse ponto não há discussão. “Any Colour You Like”, “Brain Damage” e “Eclipse” fecham esse ciclo com o local sendo adornado com as cores da capa do álbum.

Seu último álbum com o Pink Floyd, “The Final Cut”, é lembrado com “Two Suns In The Sunset”. Lançado no ano de 1983 durante o período da Guerra Fria, sua letra apocalíptica trata sobre uma guerra nuclear e Roger confessa que ainda tem medo por conta dos inúmeros conflitos ao redor do mundo.

Com a sensação de que estamos chegando ao final, os músicos se reúnem em volta do piano para a reprise de “The Bar”. Roger.a dedica para Bob Dylan; sua esposa Kamilah Chavis e seu irmão John Waters, já falecido. Conectando com “Outside the Wall”, o encerramento se dá com a apresentação de todos os músicos que vão deixando o palco. Se a abertura do segundo ato foi com a mensagem “você está contra a parede agora”, o encerramento é “fora da parede”.

Por mais que o espetáculo seja impecável, o que fica é a enormidade de sentimentos a que somos submetidos: indignação, revolta, medo, esperança, alegria – e que as vezes acabam deixando a música, por mais maravilhosa que seja, em segundo plano.

Se essa realmente for sua despedida, Roger Waters se aposenta com todas as láureas possíveis e deixa uma “vaga” que dificilmente será preenchida.

Galeria do show