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Intimidade e atmosfera ‘litúrgica’: Soen entrega um show refinado e mostra que o prog metal tem espaço no coração dos brasileiros

Intimidade e atmosfera ‘litúrgica’: Soen entrega um show refinado e mostra que o prog metal tem espaço no coração dos brasileiros

16 de abril de 2024


Crédito das fotos: Tamires Lopes/Headbangers News

A capital paulista acolheu no último domingo, 14 de abril, a banda sueca Soen para uma apresentação extraordinária no Carioca Club, localizado na zona oeste de São Paulo.

Dando uma pausa ao calor escaldante que tem castigado o planeta, a noite foi amena, com uma garoa fina, bem característica da cidade. Há tempos não me lembrava de sentir os pingos d’água em meus óculos. Foi ótimo!

Próximo ao local do evento, num bar vizinho, uma dupla carismática animava o público com covers de Raul Seixas e Marcelo Nova. O ambiente estava perfeito para um esquenta antes do show principal, que ocorreria logo ao lado, em poucos minutos.

Já dentro do Carioca Club, o clima era acolhedor, com o ar condicionado na medida certa e um público bastante cordial, exibindo camisetas de bandas como Tesseract, Riverside, Tool, Opeth, Yes, Ave Sangria, Behemoth, entre outras. As escolhas das vestimentas indicavam o gosto musical refinado dos presentes e a expectativa para uma noite especial.

Enquanto aguardavam a banda subir ao palco, os fãs se acomodavam confortavelmente, alternando entre conversas e goles de bebida, ao som de uma trilha sonora sofisticada, que incluía uma faixa de David Bowie de sua fase final. Quase um cafuné para os ouvidos!

Embora a casa não estivesse completamente lotada, havia uma boa presença de público, todos ansiosos para experimentar ao vivo as músicas do excepcional álbum ‘Memorial’.

Às 20h em ponto, conforme anunciado, as cortinas se abriram e Joel Ekelöf (vocais), Lars Enok Åhlund (guitarra e teclado), Oleksii ‘Zlatoyar’ Kobel (baixo), Cody Lee Ford (guitarra) e Martin Lopez (bateria) sobem ao palco, logo após a execução do áudio do famoso poema ‘Do not go gentle into that good night’ de Dylan Thomas, o renomado poeta galês. Esse momento elevou as expectativas, sugerindo que a noite seria inesquecível — e realmente foi!

E sem tempo para respirar, a banda, toda vestida de preto, com Ekelöf usando uma jaqueta de couro e óculos escuros, iniciou com ‘Sincere’, a potente faixa que também abre o álbum ‘Memorial’. Apesar de o som estar um pouco abafado nesse começo, a performance agradou e uniu os fãs, que cantaram o refrão em coro. Foi um belo abre alas!

Em seguida veio ‘Martyrs’, do álbum ‘Lotus’, que, na minha opinião, é uma das músicas mais lindas da banda. O clima foi às alturas, com o público e a banda pulando juntos. O ambiente ficou ainda mais perfeito com o piano de Lars combinado à voz a capela de Ekelöf. Foi lindo demais!

Com o palco mais escuro, vimos Oleksii solando com seu baixo impetuoso, preparando o terreno para a bateria tribal de Martin dar um ritmo diferente, quase acústico, à ‘Savia’, do ‘Cognitive’, disco de estreia e já clássico da banda. O final é climático, pesado, cru e, claro, com o público cantando todas as estrofes em ótimo tom.

Numa atmosfera de guerra e com luzes ainda mais bem configuradas, ‘Memorial’ foi a canção da vez, apresentando-se de forma harmônica com as guitarras vibrantes de Lars e Cody, a perfeição dos pedais duplos de Martin, enquanto Ekelöf, magistral e sempre afinado, quase como um regente de culto religioso, entregou o que pode ser uma das canções favoritas dos presentes.

‘Lascivious’, a segunda faixa do álbum ‘Lotus’, emerge na neblina do palco com Ekelöf sensualizando em um gingado bonito e envolvente, quase hipnótico. Adoramos!

Essa música possui uma delicadeza harmônica invejável. Tem uma letra linda, além de várias quebras, muitas camadas e, ao vivo, é uma verdadeira obra de arte.

Logo em seguida, vivemos um dos momentos mais aguardados da noite: ‘Unbreakable’, que, embora seja do disco mais recente, já ressoa fortemente nas vozes dos fãs. A música, decorada por todos, atinge seu ápice na perfeita combinação de guitarras que surgem por detrás das luzes, adicionada à envolvente capela de piano e voz, e às interações entre a banda e o público… Foi, sem dúvida, apoteótico!

Chegando à metade do show, observamos a banda alinhada, lado a lado, com Martin na bateria ao fundo. Eles apresentaram de forma visceral a música ‘Deceiver’, do álbum ‘Imperial’. A música, que possui um riff viciante e uma letra poderosa, alerta a humanidade sobre o cuidado com as mentiras e a importância de sermos responsáveis pelas emoções daqueles que fazem parte de nossas vidas. Muito forte esse recado!

Para dar uma pausa na euforia que contagiava a todos, a banda preparou um clima introspectivo e sombrio, apostando em uma versão ‘tranquila’ para apresentar ‘Ideate’, uma faixa ‘litúrgica’ do álbum ‘Cognitive’. Foi mais um momento marcante do show.

A fantástica ‘Monarch’ também figurou no setlist da noite — e não poderia ficar de fora. A música começa com a clássica sirene de abertura, com a banda executando uma das faixas mais sólidas de sua discografia. A situação fica ainda melhor quando o backing vocal cresce e assume um papel principal, resultando em uma experiência surreal.

O álbum ‘Lykaia’ também foi lembrado através da maravilhosa ‘Jinn’, que capturou todo aquele clima envolvente do disco em um movimento melódico combinado com um jogo vocal charmoso e poderoso.

Ah, e como é comum em shows internacionais no Brasil, pudemos ouvir um entusiasmado ‘Olê, Olê, Olê, SOEN, SOEN’. Para eles, sem dúvida, foi divertido!

À medida que o show se aproximava do final, chegou o momento de acender as luzes dos celulares e colaborar com o clima da bela ‘Illusion’, que soou da maneira como se esperava: impecável!

Comparada com a apresentação de 2022, neste mesmo Carioca Club, fiquei feliz em ver como o público brasileiro se tornou íntimo de ‘Illusion’. Temos mais um hino, com certeza!

Com o teclado dando o clima, a música ‘Modesty’, mais uma obra-prima dos suecos, invade o ambiente com sua melodia nobre e arranjos complexos, repletos de camadas. Sem contar a letra, o refrão e a atmosfera envolvente da canção.

Ainda nesse clima, a última música antes do bis ‘inesperado’ foi ‘Lotus’. Sim, ela é perfeita, e sua performance ao vivo só amplifica sua beleza. Os solos emocionantes, o vocal carregado e a melodia do refrão criaram uma harmonia perfeita, tornando-a uma música que pulsa com vida própria, tanto no palco quanto nos corações da galera.

A volta do bis trouxe o baterista Martin Lopez vestindo a camisa da seleção brasileira, para o delírio do público. Apesar de uma ligeira sensação de abafamento no som, a banda entregou uma performance de ‘Antagonist’ exatamente como se esperava: poderosa, fluida e envolvente. Enquanto Martin agradecia ao povo brasileiro, interagindo com palmas e gritos, o público, com lágrimas nos olhos, testemunhava um momento verdadeiramente belo.

A música escolhida para ‘quase encerrar’ a apresentação foi a envolvente ‘Lunacy’. Desde o início, a banda caprichou nos acordes hipnotizantes, enquanto a voz sempre alcançava novas alturas. Na parte final, um belo ensaio de piano e voz se integraram de forma sublime, elevando ainda mais a experiência daquela noite.

O grand finale aconteceu, mesmo que não estivéssemos prontos para ele! Se em 2022, o encerramento ocorreu com ‘Lotus’, desta vez, a última música veio na forma de ‘Violence’, que, sem dúvida, é o destaque do álbum ‘Memorial’. Tentar narrar o que aconteceu ali seria redundante, pois a música se desenrolou exatamente como esperado e até um pouco mais: intensa, afiada, um verdadeiro hit! Foi só isso, ou foi tudo isso!

Ao final, a banda se retirou rapidamente do palco e depois retornou para as despedidas, exibindo camisas personalizadas do Brasil. Ao fundo, a música de Dina Ögon, uma banda sueca com uma sonoridade que mistura bossa nova, indie e folk, encantava os ouvidos. Uma banda encantadora que recomendo fortemente!

Após quase 2 horas de apresentação, tivemos no palco uma das bandas mais sofisticadas do ‘prog metal’ atual. Que após a terceira passagem pelo país, mostra que está cada vez mais veterana e íntima dos brasileiros.

Sejam sempre bem-vindos e como vocês mesmos prometeram voltar, nos vemos em breve!

Galeria do show