Entrevistas

Marcos Resende (Pesta): “Acho que daqui a alguns anos vai ser difícil olhar para esse momento da cena mineira e não considerar a Pesta como uma banda importante desse período”

Marcos Resende (Pesta): “Acho que daqui a alguns anos vai ser difícil olhar para esse momento da cena mineira e não considerar a Pesta como uma banda importante desse período”

24 de novembro de 2025


A bruxa volta a vagar!

Com apenas onze anos de carreira, o mineiro Pesta conseguiu um respeitável lugar como referência entre os bons nomes do stoner/doom metal, não à toa aparecendo em destaque nas listas de melhores do ano a cada lançamento.

Agora em 2025 o grupo retorna como quarteto e lança seu terceiro disco, o ótimo “The Craft Of Pain”, lançado em vinil pela gravadora norte-americana Glory Of Death Records e em CD pela brasileira Gate Of Doom Records.

Para conferir os detalhes do novo material, fui bater um papo com Marcos Resende, guitarrista da banda. Confira!

 

HBN –  Toda vez que te encontrava em algum show, fazia a pergunta “E o disco?” e você sempre dizia “Calma, uma hora sai”. Foi uma escolha suas fazer assim, no ritmo de vocês, ou esse intervalo de seis anos entre o “Faith Bathed In Blood” (2019) e o “The Craft Of Pain” (2025) aconteceu por outros motivos?

Acho que a Pesta tem ritmos internos bem diferentes e às vezes eles não estão bem sincronizados…(risos). Então essa resposta era porque a gente simplesmente não conseguia mesmo prever quando entraríamos no estúdio para gravar estas músicas, já tínhamos todas as estruturas prontas ou avançadas em 2023, até arrisco dizer que no fim de 2022 já tínhamos 80% das músicas já prontas com letras. Em maio de 2024 gravamos a pré-produção muito rápido, ainda assim, todas estas etapas tinham um “gap” enorme para serem concluídas por questões de agenda e tempo de cada um. O próprio processo de gravação foi muito longo, entramos em estúdio e gravamos as primeiras partes em outubro de 2024 e praticamente só voltamos em estúdio em março de 2025. Bom, certamente não era a forma que gostaríamos, mas sabíamos que tínhamos músicas que exigiriam mais da gente, não dava para chegar no estúdio com duas horas para gravar guitarras, por exemplo, e mesmo quando às vezes pintava uma brecha, as agendas nunca batiam… Então dependíamos de pelo menos três ou quatro sessões “parrudas” de uma tarde ou uma noite para finalizar as gravações e nunca conseguíamos esse tempo, quando conseguimos, o álbum saiu!

HBN –  Ouvindo o disco, percebe-se logo algumas mudanças no som que, para mim, soaram bem naturais. É o mesmo Pesta pesado e arrastado de antes, mas diferente. A adição dos violões e mais percussão veio naturalmente ou foi por influência de alguma banda que estavam ouvindo na época das composições/gravações?

As percurssões vieram naturalmente, era algo que o Flávio, nosso baterista, já tinha desenhado para algumas dessas músicas antes mesmo de entrarmos no estúdio. Acho que nesse sentido foi um pouco de evolução do “Faith Bathed In Blood” (2019) que já tem algumas passagens de percussão, como em “Anthropophagic”, e é uma ideia que agrada a todos nós! Se ele quisesse ter colocado mais, teríamos topado, com certeza! E assim como as percussões, os outros elementos também vieram sem resistências: os violões, por exemplo, é uma coisa natural dentro do “ecossistema” da Pesta uma vez que é um instrumento muito natural para o Thiago Cruz, mas nuca havíamos usado em nenhuma música, também já havia sido desenhado pelo Anderson Vaca e Thiago Cruz, e o nome do Rodrigo Garcia (participação tocando violoncelo) já era o que queríamos. Acho que só o theremin (instrumento musical eletrônico) que foi uma coisa quase de última hora, já sabíamos que queríamos usá-lo na (faixa) “Thumbscrew”, mas ela foi uma música que nasceu no final das composições, mas ele mesmo só aconteceu na pós-produção do álbum. Eu não tinha uma linha que me agradasse e fiz várias versões até que em uma das sessões acertei o combustível correto e construí a linha com a energia que queria para a faixa.

HBN –  O Daniel Rocha aparece como coautor em quatro faixas: “Masters Of The Craft Of Pain”, “Marked By Hate”, “The Inquisitor, Pt. I” e “Shadows Of A Desire”. Essas músicas já estavam prontas antes dele sair da banda ou foram compostas para esse disco?

Não me recordo de termos trabalhamos juntos com o Daniel nestas músicas, pois ele já estava em um processo de deixar a banda quando começamos a encaixar os vocais para elas, mas quando começamos a trabalhar nas primeiras músicas, o processo sempre começa com a gente revisitando algumas bases e riffs, e nesse processo vimos que ele tinha deixado uma quantidade enorme de riffs gravados, não só dele, mas riffs do Vaca e meus também, mas o Daniel tem uma pegada de riff realmente muito boa que gostamos muito  e queríamos aproveitá-las! Não só porque tinha coisa foda lá, mas também pela história do Daniel com a Pesta como fundador ao lado do Anderson Vaca e também a amizade dele com todos. Então sim, essas músicas em um lugar ou outro tem bases que eram do Daniel. Pelo que me lembro, “The Inquisitor, Pt. 1” é a que tem o maior trecho feito por ele que foi gravada nesse disco e é uma das minhas favoritas!

HBN – E como foi para você estar em estúdio sem ter duas guitarras, depois da saída do Daniel Rocha? Vi seus shows aqui em BH abrindo para o The Obssessed ano passado e você já parecia estar bem adaptado ao vivo.

Bom, por um lado traz uma responsa maior, você tem que pensar a música de uma forma um pouco diferente, pensar na ausência da segunda guitarra de uma forma musical e não somente pensar se aqui tem ou aqui não tem uma segunda guitarra, então é um desafio, pois algumas partes realmente podem soar péssimas sem aquela massa sonora ou alguém fazendo a base para você. No estúdio é mais fácil de resolver, dava para pensar em partes de duas guitarras, experimentando tranquilamente o que soava melhor. Por outro lado, ao vivo algumas dessas músicas têm uma abordagem de guitarra diferente, algumas passagens tive que tocar diferente do que foi gravado para chegarmos na mesma ideia, aí as vezes fica barra pesada! Mas tá funcionando! (risos).

Crédito: Lucas Hell

 

HBN –  Falando no The Obssessed, um baita atrativo do disco é a participação do Scott “Wino” Weinrich (The Obsessed, ex- Saint Vitus, ex- Spirit Caravan). Você é o autor da faixa em que ele canta, “Mirror Maze”. A música foi feita especificamente para o Wino ou já tinha letra/melodia pronta para o Thiago? Como que foram as conversas para o Wino participar do disco?

Essa música a princípio não era uma música para a Pesta, explico (risos): lá em 2022/23 quando as coisas estavam bem lentas, praticamente já tínhamos o álbum pronto e ainda faltava umas três músicas, no máximo, para trabalhar. Na época quem estava trampando com estas músicas era o Thiago e eu e falei com ele, “Cara, não vou trabalhar com outras músicas porque a banda simplesmente não está ouvindo ou tocando nada que estamos levando pra trabalhar”. Estávamos trabalhando em coisas literalmente no escuro sem saber se estavam boas ou não, no caminho certo ou não. Então decidi que ia fazer umas coisas para um projeto paralelo que eu estava gravando em casa com um amigo, foi aí que compus “Mirror Maze” e comecei a pensar em uma segunda letra para o que virou “In the Drive’s End”.

Nesse meio tempo mostrei “Mirror Maze” ao Thiago e ele curtiu a música, colocou o seu jeito de cantar naquela letra que já estava pronta, então falamos, “Bom, vamos esperar mais um pouco, se a banda voltar a trabalhar nesse disco, podemos usá-la como um bônus ou um single”. Não era a intenção que ela entrasse no álbum, no máximo um single mesmo, principalmente por não ter uma letra do Vaca, o letrista da Pesta e não temos nenhuma intenção de mudar isso, ele faz isso muito bem e consegue pensar em uma concepção artística para os álbuns que é sensacional. Mas aí corta a linha do tempo e já estávamos a pouco tempo antes de entrarmos no estúdio para gravar a pré-produção e falei com a banda, “Tá faltando uma música e tem essa que já está pronta, podemos utilizá-la ou jogar a pré-produção mais pra frente e trabalhar na última música”. Então começamos a ensaiá-la e surgiu a ideia de fazer o convite ao Wino. Na época desse convite o Vaca escolheu três músicas para enviar para ele, se não me engano “Mirror Maze”, “The Inquisitor Pt. 2”, que acabei pedindo para colocar pensando na parte de violão, que é uma pegada do Wino também, e honestamente, não me lembro a terceira. Ele que acabou escolhendo a “Mirror Maze”, mas a versão dele em relação a versão original do Thiago soa um bocado diferente, ambas muito boas! Certamente em algum momento lançaremos a versão original da música com o vocal do Thiago.

HBN – A ideia de ter violoncelo, executado pelo Rodrigo Garcia, junto de voz e violão em “Canto XXI”, surgiu como?

Foi uma ideia do Anderson Vaca que foi trabalhada junto com o Thiago Cruz. A ideia era fazer uma música folk e a proximidade com o Rodrigo Garcia fez com que a entrada do Cello fosse uma escolha natural. O Rodrigo toca em uma banda junto com o baixista, baterista e vocalista da Pesta, e tocou também na Pesta no primeiro show pós saída do Daniel Rocha, então o nome dele já era um nome que havia surgido de outras formas e veio muito naturalmente quando a música “Canto XXI” tomou forma.

HBN –  Falando em voz e violão, o Thiago Cruz, além de estar cantando muito, também aparece creditado tocando violão. Ele já tocava antes ou aprendeu nesse intervalo entre os discos? Vocês costumam compor usando violão?

Compor usando violão não diria que é exatamente o natural da Pesta, mas o Thiago Cruz já tem um projeto de voz e violão onde ele toca semanalmente, duas ou três vezes, então é um instrumento muito natural para ele e de fato ele é muito bom com o violão nas mãos e a gente já queria explorar isso a mais tempo e nesse álbum tivemos a oportunidade. Essa linguagem acústica é também algo que curtimos muito, veja a carreira solo do Wino: álbuns como “Freedom Conspiracy” (2015), “Heavy Kingdom” (2012) e até mesmo no Spirit Caravan ele usa muito violão, isso falando de influências que são claras pra Pesta, mas podíamos citar uma dezena de bandas, como o Jethro Tull e Black Sabbath, que tem passagens acústicas primorosas. Músicas acústicas sempre estiveram dentro do universo do rock n’ roll.

HBN – O André Cabelo (Estúdio Engenho e vocalista e guitarrista no Chakal) assina mais uma vez a produção de um disco seus. Ele é “o bruxo” por trás do som da banda?

De alguma forma sim! Acho que principalmente em questões de sonoridade da Pesta, ela passa muito pelas mãos do André Cabelo. A gente toca com uma afinação muito baixa, o próprio baixo é muito presente e temos uma sonoridade de bateria também muito grave! Alguns produtores não entendem essa linguagem e vão querer que você soe como as referências que ele tem, que às vezes podem ser de, sei lá, Slipknot, ou alguma outra banda de metalcore e não é o que queremos, então o Cabelo é fundamental para traduzir isso, como soar pesado, mas sem perder as referências clássicas e principalmente não ter uma produção artificial. Sem críticas ao gosto pessoal de ninguém, mas há uma quantidade enorme de bandas que soam iguais, pelo menos a gente não acha que isso aconteça na Pesta e o André Cabelo é uma peça importante para chegarmos nessa sonoridade.

HBN –  O lançamento em vinil na gringa foi pela Glory Or Death Records, gravadora dos EUA especializada em stoner/doom metal que lança vinis coloridos maravilhosos de deixar qualquer um embasbacado. Como que surgiu esse convite para lançar o vinil por eles e o que isso representou para a banda?

Foi um contato trabalhando ao longo do tempo. Já conhecíamos o trabalho da Glory Or Death e já sonhávamos com essa possibilidade e a princípio estávamos conversando sobre o lançamento via Wet Records, que é um selo paralelo dos mesmos caras, mas nem era para o “The Craft Of Pain” (2025) e sim para uma edição em vinil do “Faith Bathed In Blood” (2019), nosso segundo álbum. Acabou que por um atraso de nossa própria parte em entregar as mudanças para a arte do vinil, o álbum novo começou a andar e vislumbramos a possibilidade de “trocar” os lançamentos com eles, essa sugestão veio do próprio selo e topamos. Nessa época já estávamos conversando mais com o Ygor Silva, que é um brasileiro que faz parte dos selos, o que também facilitou muito pra gente, pois ele tem participação direta nos lançamentos de ambos os selos. Depois de muita conversa, aconteceu! Pra gente não precisa nem dizer o quanto foi gratificante fazer essa parceria, pois isso representa um apoio para uma banda que tem que fazer a engrenagem girar sozinha muitas vezes, além de expandir também o alcance do nosso som. Bom, o vinil ainda não chegou, ele está em pré-venda e o lançamento oficial é em dezembro, então não precisa nem dizer o quanto estamos ansiosos! (risos)

HBN – Três discos lançados, cada um mais bem recebido do que o anterior por público e mídia especializada, incluindo a gringa. Isso de alguma forma tem causado uma certa pressão sobre vocês quando começam os trabalhos de composição para um próximo material?

De certa forma sim, essa pressão vem de dentro da própria banda e pesa diferente para cada um, mas acho que todos nós sentimos um pouco desse peso. Não só nas composições, quanto tudo que envolve a banda e um novo álbum. O que quero dizer é que além de acreditarmos nessas músicas e ter um cuidado extra na finalização e produção de cada uma, criamos também algumas “metas” direcionadas ao lançamento, como alcançar “x” números de ouvintes em algumas plataformas, ter uma produção ainda melhor que as anteriores, estar com um selo já engatilhado para os lançamentos em CD e vinil. E como banda independente que praticamente faz tudo sozinha, tudo isso se torna extremamente cansativo e leva um tempo, mas é importante que seja feito para conseguirmos entregar algo de qualidade! Agora fazemos tudo isso, mas só sabemos se deu certo mesmo quando lançamos. Antes de colocar o “álbum na rua”, tudo é especulação, mas até agora está dando certo! Em CD o álbum já saiu e mesmo com pouco tempo de lançado (no momento dessa entrevista algo em torno de um mês), certamente é o álbum que mais vendemos cópias físicas em tão pouco tempo, já estamos prevendo uma segunda prensagem em CD e ela terá algumas diferenças. Isso é legal também para quem gosta de mídias físicas, saber que tem a primeira prensa e que ela é única traz um valor legal para quem foi atrás desse álbum.

HBN – No dia 2 de novembro vocês tocaram aqui em BH no “Dia do Heavy Metal”, evento em comemoração a promulgação da data no calendário oficial da cidade, ao lado de Overdose, Eminence, The Mist, Witchammer e Loss. Como que foi apresentar as músicas novas para o público daqui, onde tudo começou?

Foi sensacional! BH tem uma cena muito forte em relação a muitas cidades do Brasil, colocar bandas desse porte de graça para algo em torno de mil pessoas é uma coisa muito difícil em qualquer lugar, então pra gente é foda fazer parte disso, de uma cena com bandas que a gente gosta de verdade! E também ver que a Pesta está se tornando uma parte importante dessa cena é gratificante. Acho que daqui a alguns anos vai ser difícil olhar para esse momento da cena mineira e não considerar a Pesta como uma banda importante desse período, claro que junto com várias que estão fazendo trabalhos primorosos! E quanto tocar as músicas novas faz parte de um desafio e renovação da própria banda. Sentir quais vão ficar no set dos shows está sendo uma experiência muito foda pra gente, é um período de descoberta mesmo, ver o que funciona e o que não. Ainda tem um tempo até estabilizar esse novo set, mas isso é ótimo porque quem for nos próximos shows da Pesta pode ter a chance de ouvir alguma música que gosta e que talvez nunca mais a gente toque, então pode ser único pra quem estiver curtindo o álbum!

HBN – Marcos, obrigado pela sua participação, deixa uma mensagem em nome da “velha bruxa”!

Primeiro, agradecer essa oportunidade e abertura de falar um pouco da Pesta aí com você Mário Pescada, para quem for consumir essa entrevista, para quem está acompanhando a Pesta e nossos amigos! E também dizer que a Pesta está em um momento muito foda, tanto pra gente, quanto para o público, a Pesta é uma banda ativa que está tocando e produzindo material. Para quem nos acompanha, está vendo algo vivo ser construído e está construindo isso junto com a gente e isso é simplesmente incrível para nós e para a cena continuar viva! No mais, continuem acompanhando a gente, pois essa velha Bruxa tem muito o que apresentar para todos!  Stay doom!

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Resenha “The Craft Of Pain” (2025): https://www.headbangersnews.com.br/resenhas/pesta-the-craft-of-pain/