Entrevistas

Marcus D’Angelo (Claustrofobia): ‘No Claustro todos são bem-vindos, não fazemos música para separar ninguém’

Marcus D’Angelo (Claustrofobia): ‘No Claustro todos são bem-vindos, não fazemos música para separar ninguém’

17 de maio de 2022


Courtney Ware/Divulgação

Os veteranos do Claustrofobia estão vivendo um momento mágico: radicados em Nevada, o trio acaba de lançar “Unleeched”, seu mais recente álbum, com direito a cover do Pantera como bônus para os fãs brasileiros. Nós batemos um papo com o vocalista/guitarrista Marcus D’Angelo e ele nos falou sobre a ida para os Estados Unidos, a concepção do novo álbum, política, lembranças do Rock in Rio e até mesmo sobre uma possibilidade de o guitarrista Marc Rizzo tocar com a banda no futuro. Confira abaixo.

Unleeched é o primeiro álbum do Claustrofobia como um Power-Trio e demonstra que a banda está ainda mais letal do que quando tinha duas guitarras. Como vocês vêem os resultados obtidos aqui?

Marcus D’Angelo: Primeiramente muito obrigado pelo espaço. Concordo que a banda está muito mais letal. Acredito que seja uma questão de foco em todos os sentidos, foram anos de muitas experiencias que nos elevou a um nível que nos permite enxergar melhor nossa música e aplicar realmente o que é necessário no som, sem exageros e direto ao ponto. Em trio não existe a possibilidade de um integrante se acomodar, a máquina tem que estar trabalhando 100% cada um no seu setor. Acredito que esse seja o ponto principal para os melhores resultados.

Hoje o Claustrofobia é um dos expoentes do Thrash Metal brasileiro. Como se deu a escolha pela carreira internacional?

Marcus D’Angelo: Já começamos a viajar pra fora do Brasil em 2007, fizemos algumas tours na Europa, e em 2015 começamos um plano de vir aos Estados Unidos. Vim sozinho a primeira vez e fui muito bem recebido e respeitado, o que fortaleceu muito a ideia de montar uma base nos EUA.  A mudança em si, lado pessoal pesou muito também, pois desde sempre a banda foi uma prioridade em nossas vidas, e essa escolha gerou muita dificuldade no âmbito pessoal, o Brasil “ta zuado” há muitos anos, o país sempre muito injusto com a arte e a banda sobreviveu pelas fases mais cruéis do Metal. Estava muito difícil manter isso como prioridade e juntando isso com algumas oportunidades profissionais decidimos montar uma base nos EUA. Somos muito enraizados no Metal Brasileiro mas somos livres, portanto enquanto tivermos saúde vamos estar buscando tocar em todos os lugares possíveis.

Como está sendo a receptividade dos americanos tendo novamente uma banda do Brasil radicada por lá?

Marcus D’Angelo: Não temos do que reclamar, nosso ponto forte é o palco, mesmo com a pandemia conseguimos produzir esse álbum novo, e agora estamos nos esforçando pra estar na estrada novamente, pois a cada show a gente se conecta organicamente com as pessoas e espalha nossa energia, e eles nos veem como o legitimo Metal do Brasil e isso é um orgulho imenso. O business existe em todo lugar e a gente sempre manteve nossa disciplina para fazer as coisas fluírem de uma forma saudável e com o devido valor, independentemente de qualquer dificuldade e tendencia. Vamos elevando o padrão, mas sem perder nossa cultura, e o público daqui fica admirado com a nossa postura, isso não tem preço.

Como foi trabalhar com o produtor Adair Daufenbach? O quanto de sua participação foi decisiva para o produto final?

Marcus D’Angelo: Foi excelente, confesso que eu estava um pouco apreensivo por ser uma concepção bem diferente de tudo que já fizemos. Inclusive isso foi falado pra ele na maior naturalidade e profissionalismo. Fizemos algumas reuniões antes e conversamos muito antes de realmente fechar. Foi um belo encontro, ele buscando algo mais orgânico e old school e o Claustro buscando algo um pouco mais contemporâneo, então meio que nos encontramos no meio desse caminho que foi o equilíbrio perfeito para não perdermos a essência e darmos um passo. A gente chegou com tudo praticamente pronto, pois fizemos muitas pre produções antes de entrar no estúdio, então já sabíamos o que queríamos, isso facilita muito a agilidade das coisas. As gravações foram muito tranquilas e divertidas, ele realmente e um mestre habilidoso no que se propõe a fazer além de um músico de altíssimo nível, nos dando a confiança de que o princípio do som estava sendo captado na melhor qualidade possível. Seus retoques nos detalhes e suas visões de fora, foram cruciais para o engrandecimento do álbum. O Brasil deve se orgulhar de ter um produtor desse nível. Ficou grandioso.

Acredito que ficar quase dois anos sem subir aos palcos e tocar tenha sido bastante duro. Os vídeos gravados durante a Quarentine Sessions foi uma forma de manter essa conexão com os fãs, ainda que à distância?

Marcus D’Angelo: Exatamente, conseguimos fazer bastante coisa. Fizemos o “Quarantine Session” foram uns 3 ou 4 vídeos. Lançamos o vídeo clipe da “Vira Lata”, o single e vídeo clipe “Riff Cult” com a produção e edição do Caio D’Angelo (batera) e ainda gravamos esse novo álbum. Acredito que conseguimos manter a conexão com os fãs e não enlouquecer tanto, só um pouco (risos).

Unleeched é um grande álbum e em alguns momentos lembra demais o auge da brutalidade que a banda alcançou em Peste (2011). Vocês consideram o novo disco o melhor da banda?

Marcus D’Angelo: O novo é sempre o melhor pra gente ne, mas é muito difícil de dizer pois não somos nós que decidimos isso, as coisas simplesmente acontecem, a gente vai seguindo os nossos instintos e inspirações. É uma necessidade também, mas sem dúvidas foi um álbum que foi trabalhado como uma banda unida de verdade o que não acontecia a tempos, e todas as músicas tiveram atenção especial. Prefiro deixar o tempo decidir as coisas.

 

Apesar de brutal na maior parte do tempo, Unleeched mostra algumas facetas novas do Claustrofobia, como por exemplo, flertes com o Metal californiano em “Psychosapiens” ou mesmo a diferentona “2020 (March to Glory), onde percebemos algo até da World Music. Elas ficaram sensacionais. Foi intencional  ou as coisas rolaram naturalmente?

Marcus D’Angelo: E muito louco isso, você sentiu uma influencia Californiana na ” Psychosapiens” , que aliás é minha favorita do álbum. Sendo que essa música na real, a essência da composição é mais enraizada no nosso estilo Brasileiro de compor, o Riff veio influenciado muito pela música “Vida de Mentira” do álbum “Peste”, riff thrash, com vários segredos na levada de batera, linha de voz bem Hip Hop /Death Metal. O verdadeiro Metal Malokeiro (risos). A “2020 (March to Glory)” por exemplo, muita gente diz que lembrou  Fear Factory, Alice in Chains, Machine Head, Gojira e até Lacuna Coil que nunca ouvi na vida (risos). Eu tenho o embrião dessa música a quase 10 anos e só agora pegamos para trabalhar, vem de uma leva de músicas que eu tenho que faço no violão que nunca pensei em usar no Claustro, e fizemos de última hora por insistência do Caio. Então esse é o lance mais legal da música e da arte, cada um absorve de uma forma, a gente acaba fazendo algo para passar uma mensagem que a pessoa recebe de outra forma e assim vamos alimentando uns aos outros. É muito curioso isso e ao mesmo tempo engraçado.

Marc Rizzo fez um brilhante trabalho em “Corrupted Self”. Como se deu o convite para sua participação? Seria interessante vê-lo na segunda guitarra do Claustro, vocês cogitaram essa possibilidade ou não passou de uma participação especial?

Marcus D’Angelo: Ele sempre curtiu a banda desde que nos conhecemos no Brasil alguma das vezes que tocamos com o Soulfly. Sempre estava usando a camiseta do Claustro etc. Nosso último show antes da pandemia foi justamente com o Soulfly em Las Vegas/NV e ele se ofereceu. Ficamos lisonjeados ne, tanto que criamos a parte do solo na “Corrupted Self” especialmente para ele destruir. E assim foi. Realmente seria muito legal fazer uma tour ou alguns shows com ele na segunda guitarra, mas isso envolve muita coisa, nunca falamos sobre isso mas quem sabe um dia. Se tiver que vai ser.

Nos acostumamos a ter ao menos uma música cantada em português nos álbuns do Claustrofobia, o que não rolou dessa vez.  Foi uma coisa inconsciente, uma vez que. A banda está focada no mercado internacional?

Marcus D’Angelo: Sim, na verdade não rolou mesmo, estávamos tão focados nessas músicas do álbum que acabou passando batido. Mas como nada e por acaso essa situação veio com a versão em português do Pantera.

 A banda já gravou versões para músicas do Napalm Death, Sepultura, Ultraje a Rigor e agora anunciou nas redes sociais um cover para uma música do Pantera, em português. Eu tive acesso e achei fantástica. Tem algo que vocês podem falar ao público sobre essa música?

Marcus D’Angelo: Cara, era pra ser apenas um cover até um gringo amigo chegar no nosso estúdio ouvir a música e mencionar sobre fazer ela em português, olhamos um pra cara do outro com cara de espanto e pensamos: será? (risos)

A música é a “Strength beyond Strength” e na mesma hora constatamos que ia ser impossível traduzir fielmente a letra. Começamos a tentar decifrar realmente cada frase e tentar passar para o português das ruas do Brasil, e começou a ficar uma coisa totalmente louca e diferente, começamos a se divertir com o desafio e no final ficou incrível. Gostamos tanto da loucura, que resolvemos ir atras de todos os direitos pra poder realmente comercializar a música, e ainda gravamos um vídeo clipe insano mais uma vez dirigido e editado pelo Caio D’Angelo. Uma coisa inesperada e totalmente natural. Mal podemos esperar para todos verem essa loucura.

 

Como tem sido a resposta do público para as novas músicas ao vivo?

Marcus D’Angelo: Tocamos apenas 2 na última turnê na Florida e foi sensacional. Depois do álbum lançado fizemos apenas 2 shows um no “Metal Assault Fest” na California e um em Las Vegas. Tocamos ao todo 6 músicas do novo álbum e foi muito melhor do que o esperado, realmente brutal.

Entre Download Hatred e Unleeched, a banda lançou o EP “Swamp Loco” e dois singles,  “Vira Lata” e “Riff Cult”. Não foi cogitado a inclusão de nenhuma destas músicas no novo play?

Marcus D’Angelo: Sim foi cogitado a “Riff Cult” mas como ia demorar um pouco até o álbum ser lançado resolvemos deixar apenas como single mesmo. E no final das contas acho que foi melhor assim, o álbum flui muito bem com as 9 músicas e no Brasil a versão física (CD) terá o bônus da versão do Pantera.

O Claustrofobia volta e meia aborda os problemas sociais em suas letras. Vocês mesmos já afirmaram em “Paulada” que esquerda e direita é lixo. A opinião ainda permanece a mesma?

Marcus D’Angelo: Sem dúvidas. Muita teoria para pouca prática, e o Brasil não é um país de teorias. Nenhum lado nos representa, pois, nenhum lado exerce a teoria que prega, credibilidade zero. Uma piada.

Ainda no campo da política, esse ano teremos eleições no Brasil e vivemos um período de polarização muito grande, gerando segregação em todos os setores, inclusive no Metal. O que a banda pensa a respeito?

Marcus D’Angelo: Sinceramente não me importo, cada um tem o direito de fazer e falar o que quer e cada um que arque com as consequências. Falando da nossa parte, mantemos nossos princípios intactos, aprendemos que o radicalismo nos limita e nos tornamos escravos das nossas palavras então o equilíbrio é tudo.

O momento é muito difícil, é muito fácil as pessoas se perderem nas próprias ideias, existe muito ego e capricho, as vezes as pessoas querem mais aplausos do que realmente fazer alguma coisa pelo próximo, muito oportunismo nessa tragedia toda. O cenário político é nojento desde que me conheço por gente e enquanto o povo continuar valorizando o menos pior e não dar exemplo aos que estão ao redor nada vai acontecer. A internet se transformou numa piada de mal gosto e um portal da hipocrisia.

No Claustro todos são bem-vindos, desde que haja respeito. Não fazemos música pra separar ninguém, já tem gente o suficiente fazendo isso e as máscaras vão caindo naturalmente com o tempo e o Brasil continua…afundando…

 

Esse ano teremos uma nova edição do Rock in Rio e o Claustrofobia esteve na última, em 2019. Como foi a experiência da banda e quais as lembranças daquele dia?

Marcus D’Angelo: Sem dúvidas um dos pontos altos da nossa história, subir no mesmo palco de Anthrax e Slayer, fazer uma Jam histórica com o Chuck Billy do Testament, no mesmo dia de Iron Maiden, Scorpions e Sepultura, de consciência limpa, ciente do que plantamos, ainda mais com nossos irmãos do Torture Squad que foram guerreiros todos esses anos, sobrevivemos as melhores e piores fases do Metal sem suporte de nada, sem nunca baixar a guarda. Representou a resistência.  Foi inesquecível e faria de tudo para sentir essa sensação novamente.