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Memory Remains: Black Sabbath – 3 décadas de “Dehumanizer”, o retorno da formação que gravou “Mob Rules” e as redes de intrigas

Memory Remains: Black Sabbath – 3 décadas de “Dehumanizer”, o retorno da formação que gravou “Mob Rules” e as redes de intrigas

30 de junho de 2022


Nós costumamos dizer que a década de 1990 não foi muito frutífera para o Heavy Metal, apesar das exceções. O Memory Remains desta quinta-feira vai tratar de “Dehumanizer“, o 16° álbum da mãe das mães das bandas de Heavy Metal, o Black Sabbath. Oficialmente, o álbum tem duas datas de lançamento: 22 de junho no Reino Unido e 30 de junho na América. Nós escolhemos arbitrariamente segunda data e fica valendo como uma homenagem tardia, já que muitos já celebraram o álbum na semana passada.

Não era o Black Sabbath com o qual nós estávamos acostumados, com os quatro membros fundadores e que permaneceram juntos até 1978. Ozzy Osbourne seguia em sua carreira solo que financeiramente era muito mais bem-sucedida do que na banda que o projetou. Todavia, o álbum conta com três retornos que fizeram dele um marco: o baixista original, Geezer Butler estava em sua 4ª passagem e Ronnie James Dio fazia sua última aparição com o Sabbath, além de Vinny Appice também dava as caras novamente, após 9 anos.

Percebemos que as mudanças foram muitas e em relação ao álbum anterior, “Tyr“, apenas Tony Iommi era o membro restante. E um emaranhado de intrigas marcaram os retornos dos que formariam o lineup para o registro do aniversariante do dia, que prometia ser um sucesso de vendas. Vamos relembrar um pouco deste jogo de intrigas.

Começando pela voz da banda, Ronnie James Dio havia deixado o Sabbath de maneira não muito sadia. Eles ficaram sem se falar durante anos e não haviam indícios de que ambos voltariam a tocar juntos. O vocalista também não estava muito bem com Geezer Buttler, mas a reaproximação com Dio, que se deu em uma apresentação em Minneapolis, em 1990, quando ambos tocaram “Neon Knights“, do álbum “Heaven and Hell” (1980). Pouco tempo depois, Buttler deu uma canja em uma apresentação do Black Sabbath e com isso selou seu retorno à banda, sugerindo a Iommi que fizesse as pazes com Dio.

Não parecia fácil uma reconciliação. Em sua autobiografia, “Iron Man: Minha Jornada com o Black Sabbath“, Iommi deu a sua versão para os fatos que culminaram na saída de Dio da banda. Aspas para o pai do Heavy Metal:

“Gravamos um monte de shows nos Estados Unidos para o que viria a ser o primeiro álbum ao vivo oficial do Black Sabbath, mas o projeto inteiro se transformou em um maldito pesadelo. Mais uma vez, estávamos no [estúdio] Record Plant, em Los Angeles. Um cara chamado Lee De Carlo estava fazendo a engenharia de som e a mixagem […] Começamos a mixar o álbum ao vivo e aí começou: eu, Geezer e Ronnie saíamos do estúdio e, quando voltávamos no dia seguinte, o som estava diferente. Lee nunca dizia nada. A gente consertava tudo, voltava no dia seguinte e estava diferente de novo! Lee finalmente cedeu: ‘Vocês saem à noite e, depois, Ronnie vem e altera tudo’ […] Ronnie sempre negou ter feito aquilo, mas foi o que Lee disse. Não sei até que ponto era verdade, era apenas a palavra dele, mas acreditamos na época. Ficamos enfurecidos e tivemos um grande ataque histérico no estúdio. Impedimos Ronnie de ir até lá e esse foi o fim de tudo.”

O vocalista não deixou por menos e respondeu em sua autobiografia “Rainbow in the Dark“. Vejamos a versão do baixinho:

“De acordo com a lenda, uma grande fratura foi causada quando Vinny e eu, supostamente, entrávamos no estúdio sempre que Tony e Geezer não estavam lá, a fim de trazer os vocais e a bateria mais para cima na mixagem e empurrar as partes de Tony e Geezer para baixo. Nada disso é verdade […] O verdadeiro problema, como Tony e Geezer mais tarde insistiram na imprensa, era o medo que compartilhavam de que eu estivesse tentando dominar a banda […] A gota d’água, para mim, foi quando soube que Tony tentou me proibir de entrar no estúdio […] Foi tudo um dispositivo para me forçar a sair […] Poderíamos ter sido os melhores do mundo e, se não conseguíssemos isso, poderíamos pelo menos nos separar como amigos, até mesmo irmãos. Em vez disso, nossos relacionamentos pessoais haviam se degradado a ponto de eles deliberadamente me creditarem no encarte do ‘Live Evil’ simplesmente como Ronnie Dio. Sabiam que eu usava meu nome completo. Eles fizeram isso apenas por serem uns m#rdas.”

Arestas aparadas? Sim, mas nem tanto, pois Dio já chegou causando. Ele tinha um temperamento complicado e ele também não se dava com Cozzy Powell, então dono das baquetas no Sabbath. A rixa entre ambos era antiga e vinha dos tempos que ambos tocavam juntos no Rainbow. Dio quis trazer Simon Wright, que tocou em sua banda solo, o que foi vetado de imediato por Iommi. Porém, o Cozzy Powell era um azarado e quis o destino que ele sofresse um grave acidente: o cavalo que ele estava montado sofreu um ataque cardíaco e caiu sobre ele, que fraturou a pélvis, sendo obrigado a se afastar de suas atividades. Ele escapou, mas por algum tempo cogitou-se que o baterista jamais poderia voltar a andar. Iommi apostou na bola de segurança e trouxe de volta Vinny Appice.

Powell deu uma declaração ao biógrafo Mick Wall, autor de “Black Sabbath: A Biografia“, na qual ele revelou certa mágoa com Iommi. Vamos acompanhar o que afirmou o saudoso baterista.

“Fui chutado da banda porque um cavalo caiu em cima de mim e não pude tocar por seis meses […] Fiquei desapontado com as escolhas do Tony e especialmente porque ele não queria esperar que eu me recuperasse. Se eu iria querer tocar com o Ronnie era outra coisa, mas achei que o Tony fosse meu amigo. Fui muito ingênuo, claro, deveria conhecer melhor esse negócio.”

Iommi também falou sobre o ocorrido em sua autobiografia, dando a entender que o acidente com Powell foi o que melhor poderia ter acontecido aquela altura:

“Ronnie estava puto por Cozy estar na banda e me lembro de Cozy dizer: ‘Se esse babaca se dirigir a mim, vou encher a cara dele de porrada’ […] Se não fosse algo tão horrível de se falar, dava para dizer que o acidente foi um mal que veio para o bem. Eu amava Cozy e ele era um grande amigo, mas é preciso que a combinação em uma banda seja adequada.”

O tecladista Geoff Nicholas, que até a turnê anterior era membro efetivo da banda, aqui em “Dehumanizer” fora rebaixado a “músico contratado”. Com todas essas reformulações, a formação era a mesma do álbum “Mob Rules“, lançado dez anos antes. Então, todos rumaram para o País de Gales, mais precisamente no “Rockfield Studios” e a mixagem aconteceu no “Musicland“, em Munique, Alemanha, com o produtor alemão Mack assinando a obra. Outra curiosidade é que Tony Martin gravou as demos com as músicas que viriam a ser eternizadas por Dio. Vamos passear pelas dez faixas presentes aqui.

Computer God” é um baita Rockão pesado e denso, com seus quase sete minutos, onde a voz do imortal Dio brilha. Há também espaço para excelentes linhas de baixo do não menos gigante Geezer Buttler.

After All (the Dead)” é sombria, arrastada, carregada de muita atmosfera. E “TV Crimes” chega e esta é sem sombra de dúvidas, a melhor faixa do play. Um Metal vigoroso onde tudo conspira maravilhosamente a favor: a guitarra pesada de Iommi enquanto Geezer Buttler brinca de tocar baixo, a pegada de Vinny Appice na batera e a cereja do bolo, a performance impecável de Dio. Se todo o disco é em alto nível, essa faixa tem nível estratosférico, até por ela ter um andamento mais rápido que as anteriores.

Letters From Earth” traz de volta o ritmo cadenciado, sem esquecer do peso. E aqui flertes fortíssimos com o Hard Rock, enquanto que “Master of Insanity” viaja pelos mares do Hard e do Heavy, com partes um pouco mais arrastadas, numa ótima canção. E um solo cheio de feeling. “Time Machine” traz um Black Sabbath moderno, em uma faixa bastante enérgica.

Sins of the Father” é outra na linha Hard, em que há um duelo interessante entre a guitarra se Iommi e o vocal de Dio. Falar que o baixinho arrebentou aqui é simplesmente chover no molhado. Mas nesta faixa, ele teve um “rival” a altura.

Too Late” é uma balada que ganha peso no refrão, enquanto que ‘I” privilegia o peso, com partes mais bluesy, como o Sabbath fazia nos seus anos dourados. “Buried Alive” é certamente a faixa mais pesada do baixo e Gezzer Buttler com seu baixo tem grande responsabilidade aí. O andamento da música é na mesma linha das demais, porém, o peso é bem latente e fica bem explícito quando Buttler cobre o buraco deixado na hora em que Iommi sola brilhantemente. É com esse peso que o melhor disco do Black Sabbath com Dio (calma, caro leitor, não precisa me xingar, “Heaven and Hell” é um discaço, mas o peso de “Dehumanizer” me faz optar pelo aniversariante de hoje) e que encerra muito bem um álbum sem nenhum momento decepcionante.

Temos um disco muito pesado, em 51 minutos de extensão, que mostrou que o Black Sabbath ainda tinha muita lenha para queimar e o melhor, nós ainda poderíamos testemunhar o retorno da formação clássica (no final da década de 1990) e anos mais tarde, três dos quatro cavaleiros de Birminghan voltariam a nos brindar. Dio ainda montaria com Iommi o projeto Heaven and Hell, que nada mais era que o Black Sabbath tocando as músicas dos tempos do vocalista e assim nós pudemos desfrutar dos nossos ídolos.

Uma curiosidade acerca deste play é que a música “Time Machine” foi escrita especificamente para compor a trilha sonora da comédia “Wayne’s World”, lançada em 1992. Ela foi gravada bem antes das sessões de gravação de “Dehumanizer”, com o produtor Leif Mases, conhecido por trabalhar com o ABBA. Esta foi regravada para entrar no disco, porém, a versão original foi lançada como faixa bônus da versão estadunidense.

Em 2007, o álbum foi relançado com um CD bônus, contendo lado B, versões single, a versão de “Time Machine” que seria incluída no filme “Wayne’s World” e mais faixas gravadas durante uma apresentação ao vivo em Tampa, Flórida, em 25 de julho de 1992.

Dehumanizer” envelhece extremamente bem e este é um disco que eu coloco na série “eu escuto gente morta”. Dio prestou ótimos serviços ao Heavy Metal e nada mais do que justo ele ter ocupado o posto de vocalista do Black Sabbath, banda que não está mais em atividade, mas que é responsável por essa bagaça toda. Nada do que vc escutamos hoje em dia existiria se não fosse por Tony Iommi.

Dehumanizer – Black Sabbath

Data de lançamento – 30/06/1992

Gravadora: I.R.S. Records

 

Faixas:

01 – Computer God

02 – After All (The Dead)

03 – TV Crimes

04 – Letters From Earth

05 – Master of Insanity

06 – Time Machine

07 – Sins of the Father

08 – Too Late

09 – I

10 – Buried Alive

 

Formação:

Tony Iommi – Guitarra

Ronnie James Dio – Vocal

Geezer Buttler – Baixo

Vinnie Appice – Bateria

 

Participação especial:

Geoff Nicholls – Teclado