Há 40 anos, em algum dia do ano de 1985, o Garotos Podres lançava “Mais Podres do que Nunca“, o disco de estreia de uma das maiores bandas do movimento Punk brasileiro, e é tema do nosso Memory Remains de hoje.
O Garotos Podres, que está em evidência nos últimos dias, após ter sido submetido a um interrogatório da polícia depois de uma acusação da extrema-direita da letra da música “Papai Noel Velho Batuta“, música que está aqui em nosso homenageado e que na época passou sem o menor problema pela censura que definia o que seria publicado ou não na cultura durante o período da ditadura militar, pretendia lançar as músicas em uma fita demo, mas mudaram de ideia e lançaram em LP.
A banda havia sido formada em 1982 e no ano seguinte já fazia apresentações. O primeiro show do quarteto já mostrava o viés ideológico que a banda abraçava: era um show em Santo André em prol do Fundo de Greve dos Metalúrgicos do ABC paulista, o que surpreendeu muita gente quando em 2012, o baixista Sukata trocou de lado político, resultando na separação da banda, que foi parar na justiça, com o vocalista Mao ganhando o direito de usar o nome registrado por ele no INPI.
Dois anos depois desta primeira apresentação, a banda entrou em estúdio para registrar as músicas em uma demo, conforme dissemos acima. Mas o resultado ficou tão satisfatório, que eles decidiram lançar em LP, que era a mídia física da época. Eles foram ao estúdio Vice-Versa, em São Paulo, contando com o vocalista/ guitarrista do Cólera, Redson. Eles precisaram de apenas 12 horas no estúdio e utilizaram uma mesa de 8 canais.
Naquele período, o Brasil vivia o final da ditadura militar, e existia um departamento de censura que tudo que fosse lançado no âmbito cultural, deveria passar pelo crivo dos censores. A banda enviou as letras para análise, e as músicas “Johnny” e “Vou Fazer Cocô” tiveram a execução pública proibidas. Eles mudaram os títulos das músicas “Papai Noel Filho da P**a” e “Maldita Polícia“, para “Papai Noel Velho Batuta“, e “Maldita Preguiça“, respectivamente, o que conseguiu ludibriar os censores.
A música “Papai Noel Velho Batuta” foi composta em 1982, a partir de uma peça de teatro que acabou não sendo encenada, e o roteiro dizia que o bom velhinho deveria ser sequestrado por crianças carentes, em uma clara crítica social, contra o capitalismo, por isso, a recente denúncia que levou a banda a se explicar na delegacia de polícia foi recebida com muita estranheza por todos.
Dando play na bolacha, temos um clássico atemporal do Punk Rock, onde a banda além de nós brindar com um som simples e divertido, traz letras politizadas, progressistas, se posicionando do lado das minorias e da classe trabalhadora. Temos onze músicas em breves 22 minutos, com destaque para as clássicas “Papai Noel Velho Batuta“, “Vou Fazer Cocô“, “Johnny” e “Anarquia Oi!“, obrigatórias nos shows da banda até os dias atuais.
A aceitação foi a melhor possível, para uma banda underground e um álbum lançado por um pequeno selo. Aproximadamente 50 mil cópias do LP foram comercializadas, um recorde para uma banda independente, e que abriu caminho para outras bandas do estilo e fez com que o Garotos Podres tocassem por todo o país, e com algumas de suas músicas tocadas nas rádios, com exceção daquelas que haviam sido censuradas.
Outras versões do álbum foram lançadas, uma em 1986 pelo selo Lup-Som, uma outra em 1987 pelo mesmo selo Lup-Som com o título “Pisando na M…“, com o título tendo sido escolhido depois da insatisfação da banda com este selo, e os integrantes da banda pisaram em fezes de cachorro na rua, posteriormente pisando com os calçados sujos no escritório do selo. Em 1995, outra versão do álbum saiu pelo selo Rotten Records, com a música “Meu Bem” como bônus, e a partir de 1997, a própria banda se encarregou dos relançamentos do álbum.
A importância deste álbum é imensa no cenário Punk brasileiro. No ano de 2016, a revista Rolling Stone Brasil compilou uma lista dos Melhores Álbuns nacionais de Punk Rock e “Mais Podres do Que Nunca” ficou na honrosa 3ª posição, figurando com outros grandes nomes do estilo como Ratos de Porão, Inocentes, Camisa de Vênus, Olho Seco e Replicantes. Gastão Moreira e André Barcinski participaram da votação.
Em 1995, o Ratos de Porão gravou uma versão para a música “Papai Noel Velho Batuta“, com o título simplificado para “Papai Noel” e com o primeiro verso cantado como havia sido originalmente escrito, ou seja, João Gordo canta que “Papai Noel é um filho da p**a e rejeita os miseráveis”. Se a turma da extrema-direita descobrir a existência desta versão, vai acabar também oferecendo uma denúncia contra o maior nome do Crossover brasileiro. A música foi lançada no álbum “Feijoada Acidente? – Brasil”, que é uma paródia com o álbum de covers lançado pelo Guns N’ Roses, “The Spaghetti Incident?” e que o Ratos de Porão fez uma ode às bandas Punks do Brasil.
Felizmente, o Garotos Podres segue em plena atividade, tendo somente o professor de história Mao como membro original. A banda mantém-se fiel aos seus ideais e a sua postura antifascista. O último álbum lançado pela banda foi “Garotozil de Podrepezam“, de 2003. Esperamos que eles possam voltar a lançar um novo play de estúdio. Enquanto isso não acontece, vamos enaltecer esse clássico do Punk Rock tupiniquim, afinal de contas, nem só de funk, pagode e sertanejo vive a música brasileira.

Mais Podres do Que Nunca – Garotos Podres
Data de lançamento – 1985
Gravadora – Rocker
Faixas:
01 – Não Devemos Temer
02 – Johnny
03 – Insatisfação
04 – Maldita Preguiça
05 – Vou Fazer Cocô
06 – Anarkia Oi!
07 – Eu Não Sei o que Quero
08 – Papai Noel Velho Batuta
09 – Miseráveis Ovelhas
10 – Liberdade (Onde Está?)
11 – Führer
Formação:
- Mao – vocal
- Sukata – baixo/ backing vocal
- Mauro – guitarra/ backing vocal
- Português – bateria