Há 30 anos, em algum dia de 1995, o Ratos de Porão lançava dois álbuns de covers, homenageando algumas das bandas punk que influenciaram toda uma geração. Vamos falar de cada álbum separadamente, e o Memory Remains de hoje vai tratar do álbum “Feijoada Acidente? – Brasil”.
A banda vinha do subestimado álbum “Just Another Crime… In Massacreland“, que foi o primeiro álbum da banda a ser gravado praticamente todo em inglês. E neste álbum de covers, a ideia foi simples, porém, genial: fazer duas coletâneas homenageando as bandas que foram importantes na história do Ratos de Porão. Então fizeram dois álbuns, um com covers de bandas nacionais e o outro com bandas gringas.
Havia também outro fator: depois de passar anos flertando com o Metal, o que acabou moldando a característica bem marcante da sonoridade da banda, que é o Crossover, o que gerou críticas de muitos fãs, que acusam a banda até hoje de “traidora do movimento Punk”, eles resolveram voltar às raízes. E João Gordo deu uma declaração recente falando sobre o sentimento da época. Aspas para ele:
“Os dois ‘Feijoada Acidente’ foram para recuperar o nosso espírito punk. Foi depois do ‘Just Another Crime in… Massacreland’. A gente estava meio perdido e tinha tocado metal, mais devagar, então estávamos querendo resgatar a nossa ‘punkitude'”.
A ideia para o título é uma paródia para o álbum de covers que o Guns N’ Roses havia gravado em 1993: “The Spaghetti Incident?“. Eles resolveram dar à paródia uma característica bem brasileira, que foi usar a feijoada, o prato mais popular da cozinha brasileira, herdada pelos escravos que vieram da África entre os séculos XVI e XIX. A imagem, assinada por Antonio Marcellino e traz tudo o que o leitor possa imaginar, inserido na feijoada, que ficou nojenta, porém, divertida.
A banda foi para um estúdio que na época era bastante solicitado e que hoje, infelizmente, não existe mais: o Be Bop. Os dois discos foram gravados no mês de fevereiro de 1995 e mixados no mesmo estúdio, que ficava no bairro de Pinheiros. A produção é assinada por R.H. Jackson e pela própria banda. Já a masterização foi realizada no estúdio Sun Trip, também na capital paulistana.
Sobre as músicas, a versão nacional não é um disco 100% de covers. Existem faixas que foram escritas pelo próprio Ratos de Porão, mas nunca gravadas, caso de “Não Podemos Falar” e “A Bomba“, outras são regravações, como os casos de “Corrupção” e “Só Pensa em Matar“, que foram lançadas em “Crucificados Pelo Sistema“, o álbum de estreia da banda. “Direito de Fumar” foi escrita para este álbum e a faixa bônus “Nós Somos a Turma” era uma canção de rua que os punks cantavam nas ruas, como João Gordo mesmo explicou.
“(a música) Era coisa que os punks cantavam loucos de bola lá na Galeria nos anos 80. Eu lembrei disso e coloquei no disco”.
Já as bandas nacionais homenageadas pelo Ratos de Porão, demandaram algum trabalho dos integrantes, já que muitas músicas eles tinham apenas os registros em fita cassete e de qualidade pífia. Gordo também falou sobre como foi regravar algumas dessas bandas:
“A gente teve que fazer uma arqueologia musical, reconstituir músicas gravadas em fitas podres e até mesmo outras que só lembrava de cabeça. Eu tenho uma memória muito boa para essas coisas”.
As bandas escolhidas para a versão nacional vão desde as conhecidas dos Punks como Olho Seco, Inocentes, Garotos Podres e o Cascavelletes, que inclusive, se apresentou no programa que a Angélica tinha na extinta Rede Manchete, até outras não tão conhecidas do público, como o Hino Mortal, o AI-5, Psikóze, Restos do Nada, Patife Band, e a ex-banda de Boka, o Psychic Possessor.
O álbum conta com a participação especial do guitarrista André Fonseca, que fez o solo de guitarra em “Tô Tenso“, do Patife Band. O guitarrista Jão canta em três músicas: “Não Podemos Falar“, “A Bomba” e em “Classe Dominante” e o baterista Boka canta em “Capitalismo“. O baixista Pica-Pau foi o responsável pela arte gráfica do encarte.
A banda traz vinte músicas em breves 30 minutos. As faixas raramente ultrapassam os dois minutos de duração, e algumas, como “Não Podemos Falar” e “A Bomba” são praticamente vinhetas, com 35 e 13 segundos de duração, respectivamente. Podemos destacar músicas como “O Dotadão Deve Morrer“, “Câncer“, “Olho de Gato“, “Lobotomia“, “Buracos Suburbanos“, “Papai Noel“, “Corrupção“, “Medo de Morrer“, “Tô Tenso“, “Só Pensa em Matar” e “Classe Dominante“. Este play é uma pérola do Punk Rock.
A receptividade ao álbum foi muito boa e os videoclipes produzidos e executados na MTV Brasil ajudaram a tornar o Ratos de Porão mais popular, vamos assim dizer. Muitas pessoas conheceram a banda depois do lançamento dos dois “Feijoadas“. As vendas não foram satisfatórias e este acabou sendo o último projeto da banda pela Roadrunner. Por muito tempo, o álbum ficou fora de catálogo, mas recentemente a Fuzz On Discos promoveu o relançamento das duas versões do álbum, a nacional e a internacional, que saíram em CD e LP, com uma nova arte de capa que em muito lembra a original. A edição em vinil era limitada a 500 cópias, que já se esgotaram.
Vamos celebrar os 30 anos deste rico projeto do Punk Rock nacional. Felizmente, o Ratos de Porão segue em plena atividade, que andou ameaçada pela saúde de João Gordo que não andava muito bem. Mas a banda segue em atividade, lançando álbuns e o mais importante, com mensagem antifascista, para desespero do roqueiro que acha que dá para apoiar regimes autoritários e gostar de música de protesto ao mesmo tempo. Voltaremos em breve falando sobre a versão internacional do projeto.
Feijoada Acidente? – Brasil – Ratos de Porão
Data de lançamento – 1995
Gravadora – Roadrunner
Faixas:
01 – Câncer
02 – Olho de Gato
03 – Lobotomia
04 – John Travolta
05 – Não Podemos Falar
06 – Desemprego
07 – Capitalismo
08 – A Bomba
09 – Falsa Liberdade
10 – Tô Tenso
11 – Buracos Suburbanos
12 – Corrupção
13 – Papai Noel
14 – Medo de Morrer
15 – O Dotadão Deve Morrer
16 – Só Pensa em Matar
17 – Os Ratos
18 – Classe Dominante
19 – Direito de Fumar
20 – Nós Somos a Turma
Formação:
João Gordo – vocal
Jão – guitarra/ vocal
Pica-Pau – baixo
Boka – bateria/ vocal
Participação especial:
André Fonseca – guitarra solo em “Tô Tenso”