Memory Remains

Memory Remains: Rush – 46 anos de “A Farewell to Kings” e o rock progressivo se destacando em meio ao punk rock

1 de setembro de 2023


Há 46 anos, no primeiro dia de setembro de 1977, o Rush lançava “A Farewell to Kings”, o quinto disco deste que é o maior power-trio da história da música e tema do nosso Memory Remains desta sexta-feira. Venha conosco saber um pouco mais da história deste play.

Após o sucesso comercial e da crítica para o álbum antecessor, o clássico “2112“, o trio havia caído na estrada e o resultado foi a gravação do primeiro disco ao vivo, “All the World is a Stage“. Ao concluir a tour, que durou 16 meses, eles decidiram não parar para férias e logo se reuniram para escrever novo material e tomaram duas decisões até então inéditas: a primeira foi a de sair de Toronto para gravar um novo disco e a segunda foi o fato de os membros utilizarem novos instrumentos, como por exemplo Geddy Lee tocou uma viola de doze cordas, Alex Lifeson usou sintetizadores e Neil Peart tocou até mesmo triângulo. O baterista lembrou das inclusões de novos instrumentos na gravação:

Nós tivemos um ano e meio entre discos de estúdio, um hiato criativo muito bem vindo, e uma chance para nós três nos concentrarmos em nossos instrumentos individuais assim como aprender novos para manter o crescimento musical. Alex adotou uma guitarra dupla, e um pedal sintetizador de baixo; Geddy também um instrumento duplo combinando guitarra e baixo, assim como o pedal sintetizador de baixo e um mini Moog; enquanto eu comecei a me arriscar em teclados de percussão como sinos tubulares, glockenspiel e vários dispositivos de percussão aqui e ali.”

Assim sendo, banda e o produtor Terry Brown rumaram para o País de Gales, onde se reuniram no Rockfield, por onde ficaram durante o mês de junho de 1977. Neil Peart escreveu tempos depois que a atmosfera suave no estúdio criou um ambiente produtivo para que eles trabalhassem, fato que proporcionou a gravação ao ar livre. Após três semanas de gravação, a banda rumou para Londres, onde ficaram por mais duas semanas fazendo a mixagem no Advision Studios. Geddy Lee falou certa vez sobre a experiência de gravar no renomado estúdio:

Ficamos muito felizes com o som que conseguimos para ‘Kings’, também tem muito a oferecer… Rockfield é tão bom se você quiser experimentar – você sabe, você pode sair para gravar, usar sua estranha sala de eco … esse é o tipo de ambiente que gostamos…”

Neil Peart afirmou que para o aniversariante do dia, a banda resolveu escrever novas músicas onde eles pudessem apresentar novos instrumentos. Assim sendo, para executar as músicas de “A Farewell to Kings“, Geddy Lee passou a usar no palco um baixo de dois braços, um Rickenbacker 4080, além dos já citados sintetizadores utilizados por Lifeson e os instrumentos de percussão utilizados por Neil Peart. Pouco antes de atravessar o Atlântico para gravar, a banda fez uma pequena turnê, onde eles apresentaram a música “Xanadu”.

Em uma entrevista no ano de 2017, Geddy Lee lembrou como “A Farewell to Kings” o ajudou em seu desenvolvimento musical. Aspas para o multiinstrumentista.

Aprendi muito, estava aprendendo muito. Sempre fui desafiado e muito estimulado e o resultado final foi A Farewell to Kings , então acho que foi um disco fundamental nesse sentido.”

A arte do álbum é assinada pelo artista Hugh Syme, colaborador de longa data do Rush e traz uma fotografia de um local de demolição na cidade de Buffalo, com o Harbour Castle Hotel, de Toronto, ao fundo, tendo ainda uma espécie de “marionete grotesca”, que tem correlação com algumas faixas contidas no álbum.

Vamos passear pelas faixas do álbum, que é bem curtinho e abre com a faixa título, que começa com boas harmonias tocadas no violão e vai crescendo, se tornando um baita Rock Progressivo, tendo destaque para as belas linhas de baixo tocadas por Geddy Lee. A seguir, temos “Xanadu“, uma das músicas mais famosas do Rush. Uma epopéia com 11 minutos de duração, dos quais quase metade deles se resumem a introdução. Com diversas passagens diferentes, essa mostra o quão espetacular são estes três músicos, como eles conseguem essa sonoridade tão assustadora. E em alguns pontos a gente pode perceber como gente do gabarito de um Dream Theater se inspirou com essa música tão fantástica.

Em duas músicas se foi mais da metade do tempo total do álbum e se você está no vinil, é hora de virar o lado da bolacha, que abre com a bela “Closer to the Heart“, a qual podemos chamar de balada. Trazendo ótimas harmonias, ela é particularmente uma das minhas favoritas de sempre do Rush. E uma curiosidade: eles não tinham o costume de tocá-la nos shows, embora ela esteja presente no ao vivo “A Show of Hands” (1989), mas quando eles vieram ao Brasil pela primeira vez, a incluíram no setlist, pois foram informados de que a canção é muito popular entre os fãs tupiniquins. Genial isso.

Cinderella Man” é a faixa que dá sequência ao play e ela é um meio termo entre as faixas anteriores. Não é tão densa quanto as duas primeiras, mas não chega a ser uma balada como a música que a antecede. Tem boas melodias e preza pela simplicidade. E de novo brilha a estrela de Geddy Lee, durante o solo de Alex Lifeson. O cara é um gênio das quatro cordas. “Madrigal” é outra canção bem curtinha, aliás, a mais curta de todo o álbum e aqui eles conseguem traduzir todo o ambiente dos campos de Rockfield. Você escuta e se imagina ali observando o ambiente bucólico de uma fazenda.

As vozes de Terry Brown anunciam a chegada da faixa “Cygnus X-1“, que tem mais de dez minutos, cinco deles dedicados a introdução que tem viradas excelentes de Neil Peart e riffs bluesy por Alex Lifeson e eles vão mudando constantemente o andamento da música durante a extensão. Na parte final, os sintetizadores falam bem alto e proporcionam um épico duelo com bateria, guitarra e baixo, onde fica quase impossível escolher sobre qual instrumento tem maior destaque. Um belo final.

São 37 minutos que passam como um raio e aquele gostinho de quero mais. As músicas são muito agradáveis e nem mesmo as duas músicas que têm mais de dez minutos soam maçantes ou cansativas. Se a banda não superou o que foi apresentado em “2112“, eles seguiram apresentando um belo trabalho, com o selo de qualidade do Rush. Eles não lançaram um disco ruim sequer em mais de seus 40 anos de carreira. “A Farewell to Kings” recebeu boas críticas da imprensa especializada e a gravadora trabalhou bastante no marketing do disco no Reino Unido para que a banda se tornasse mais popular por lá.

Em uma época onde o Punk Rock era uma tendência em alta. A cena londrina brilhava através de bandas como Sex Pistols e The Clash e do outro lado do Atlântico, emergia a cena punk novaiorquina, tendo no Ramones o seu maior expoente. O Rock Progressivo era considerado cafona, mas o trio canadense não se importou com as tendências, a aposta foi alta e o resultado não poderia ter sido melhor.

Ao final de agosto daquele 1977, o trio saiu em turnê para divulgar o álbum que estava para ser lançado. A agenda se estendeu até junho de 1978 e teve uma apresentação com ingressos sold-out no Exhibition Stadium, em Toronto, onde mais de 22 mil pessoas testemunharam tal apresentação. No final de 1977, a banda anunciou apresentações para o ano seguinte, no Reino Unido, cujos ingressos se esgotaram rapidamente também.

A Farewell to Kings” teve bom desempenho nos charts: 11° no Canadá, 22° no Reino Unido, 33° na “Billboard 200“, 41° na Suécia e 150° na Holanda. Foi certificado com Disco de Ouro no Reino Unido e Platina no Canadá e nos Estados Unidos. Foi um dos três álbuns do Rush certificados pela RIAA (Recording Industry Association of America – a entidade que premia as bandas de acordo com as vendas de cada álbum). Os outros dois foram exatamente os antecessores “2112” e “All the World is a Stage“.

O álbum foi relançado em 4 oportunidades: em 1986, quando saiu em CD (uma novidade na época) e em cassete; depois em 1997 em CD; em 2015 foi lançado em vinil e em Blu-ray e por fim em 2017 foi lançada uma versão comemorativa dos 40 anos em CD.

Hoje é dia de celebrarmos essa dádiva que é “A Farewell to Kings“. Não temos mais o Rush na atividade, que se aposentou quando Neil Peart teve sua saúde debilitada. Muitos fãs não entenderam, pois os músicos respeitaram a privacidade de Peart, que era um sujeito muito reservado e a história só veio a tona depois do falecimento deste monstro sagrado, o maior baterista da história da música. Então nossa missão é colaborar para preservar esse lindo legado deixado por estes três rapazes de Toronto. Quem os viu ao vivo colo este que vos escreve, pode se considerar um afortunado.

A Farewell to Kings – Rush

Data de lançamento – 01/09/1977

Gravadora – Mercury

 

Faixas:

01 – A Farewell to Kings

02 – Xanadu

03 – Closer to the Heart

04 – Cinderella Man 

05 – Madrigal

06 – Cygnus X-1

 

Formação:

Geddy Lee – baixo/ vocal/ viola de doze cordas/ sintetizadores

Alex Lifeson – guitarra/ violão/ sintetizadores

Neil Peart – bateria/ percussão/ sinos/ triângulo

 

Participação especial:

Terry Brown – voz na faixa “Cygnus X-1