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Memory Remains: Sepultura – 23 anos de “Against”, a estreia do novo vocalista e o recomeço explorando as vertentes do Hardcore

Memory Remains: Sepultura – 23 anos de “Against”, a estreia do novo vocalista e o recomeço explorando as vertentes do Hardcore

6 de outubro de 2021


Os anos de 1997 e 1998 foram sem sombra de dúvidas, os mais difíceis do Sepultura. A banda perdeu seu vocalista, Max Cavalera, que saiu em solidariedade à esposa, Gloria, que havia sido demitida e de uma hora para outra toda aquela bela história estava a meio passo das ruínas. Os caras conseguiram driblar isso e em 6 de outubro de 1998 lançavam “Against“, o primeiro álbum sem o fundador da banda, tema do nosso Memory Remains desta primeira terça-feira de outubro.

A banda, que por um momento chegou a tentar como trio, o que segundo Andreas Kisser, não ficou bom, porém foi um aprendizado e a banda teria acabado caso eles tivessem incluído um integrante novo ali no meio daquele turbilhão. A experiência de atuar como um trio não era novidade: em 1996, quando Dana Wells, enteado de Max foi assassinado e a banda estava na Inglaterra para tocar em Donnigton Park, Max e Gloria retornaram às pressas com a ajuda de Ozzy Osbourne, que gentilmente emprestou seu jatinho particular para que ambos pudessem voltar aos Estados Unidos. E a banda honrou o contrato e os fãs, se apresentando com Andreas no vocal. E a ajuda de muitos músicos que subiram para dar aquela força.

Porém, ao final daquele ano, ser um trio era uma coisa a vera e foi uma tentativa válida e honesta de a banda continuar. Choveram demos com candidatos ao posto deixado por Max, o mais famoso talvez seja Chuck Billy, vocalista do Testament, mas o escolhido foi um desconhecido Derrick Green, americano e negro, para desespero de alguns racistas. Derrick vinha de bandas de Hardcore e sofria resistência até mesmo da gravadora, a Roadrunner. Mas o trio bateu o pé e insistiu que ele deveria ser o cara, pois segundo a própria banda diz, Derrick foi quem mais agradou, quando enviou os vocais gravados em cima do instrumental que viria a ser a música “Choke“. O nome de Billy foi descartado porque na época, esse não era o estilo de vocal que eles procuravam.

A decisão de trazer Derrick, um sujeito que não tem muita intimidade com a guitarra, implicaria em Andreas Kisser assumir a bronca de fazer sozinho, o papel das duas guitarras, o que no estúdio não é tarefa difícil, basta dobrar as guitarras na hora da mixagem e qualquer produtor faz um disco parecer que dez guitarristas gravaram o play, se assim ele o quiser. O baixo também deveria ganhar mais responsabilidade, com um preguiçoso Paulo Xisto, mas em 2021 a gente vê que nada mudou neste quesito. Voltando a guitarra, para um guitarrista do poderio de Andreas, isso não foi difícil, bastou ele usar várias guitarras com diferentes afinações, coisa que ele já vinha fazendo desde os tempos de “Chaos A D.“.

Se em “Roots” houve uma série de participações especiais, em “Against” as participações mais que dobraram, sendo as mais notáveis presenças de João Gordo, que fez uma brilhante performance na música “Reza“, Jason Newsted, então baixista do Metallica, que participou cantando e tocando guitarra em “Hatred Aside”, o ex-guitarrista do próprio Sepultura, Jairo Guedz e Zé do Caixão, que participou narrando a letra de Prelúdio, uma das faixas bônus das edições brasileira e japonesa.

Against” não é um disco de fácil compreensão e muito disso é devido a diferença abismal que a banda colocou em sua sonoridade. Nada do Thrash Metal de “Arise“, pouco do Groove Metal de “Chaos A.D.” e do “Roots” restaram apenas alguns lampejos e batucadas, que nada lembram o antecessor. O aniversariante do dia é calcado no Hardcore, com muita coisa experimental, mas que tem seus bons momentos… Mas havia perdido a magia daquele Sepultura, mesmo tendo ainda um dos Cavaleras no lineup. Vários foram os estúdios utilizados para a gravação deste play: “ION“, em São Paulo; “House of Blues Studios“, na Califórnia; “The Hook Studios“, em Hollywood; “Sparky Dark Studios”, “Image Studios“, “Chophouse Studios”, “Golden Track Studios“, todos estes na Califórnia e também no “Kodo Village“, no Japão, de onde o grupo de percussão japonês Kodõ gravou a sua participação. A produção foi de Howard Benson em conjunto com a própria banda.

Botando a bolacha para rolar, temos a faixa título que é empolgante, embora mostre já um Sepultura completamente diferente. Igor Cavalera tem uma bela performance em uma música bem Hardcore. “Choke” vem a seguir e tem muito groove. Eu nunca fui fã dessa fase da banda sem o Max, mas admito que essa música é boa. Pesada e densa, novamente com Igor detonando na bateria. “Rumors” é uma música que só o cara que tem a mente (muito) aberta vai escutar e curtir, porque nenhum elemento do Sepultura está ali, como as músicas atuais da banda. “Old Earth” tem uma intro longa e chata, mas a música em si é até agradável. O timbre da guitarra de Andreas Kisser é muito bom aqui.

Floaters in Mud” é chata e pedante ao extremo, mas “Boycott” é um dos grandes momentos de Derrick Green na banda, uma música pesada e agressiva. “Tribus” é uma intro que se resume a batucadas e uns efeitos que Andreas pós em sua guitarra. “Common Bounds” até nos remete a algo que eles puseram em “Roots“. A música é densa e mostra algo até então inimaginável, mas que iria figurar vez por outra nos álbuns subsequentes do Sepultura: vocal limpo. A banda estava se distanciando de seu antigo vocalista e era preciso da nossa parte admitir aquilo. Na época foi inconcebível. A música passa por esse teste de fogo.

Carlos Pupo/Headbangers News

A seguir, um cover improvável: a música “F.O.E.“, ou “Freedom of Expeession“, de autoria de um grupo fictício chamado J.B. Pickers, tema do filme The Vanish Point. O tema, pouco conhecido nos Estados Unidos, seu país de origem, é conhecido por milhões de brasileiros por ser a música de abertura do programa Globo Repórter, no ar desde 1972. A seguir, a melhor música do play, “Reza“, com letra e voz de João Gordo, um baita Hardcore. Essa música provocou o fim da amizade entre Gordo e Max, pois esse último viajou e pensou que a letra era uma indireta pelo fato de o fundador do Sepultura ser adepto da umbanda. A treta foi séria e nunca completamente superada. Mas o som é top.

Unconsious” tem peso, mas sabemos que somente isso não faz uma música ser boa. E ela não é. “Kamaitachi” é instrumental e tenta mesclar peso com batucada e uso de cítara, sem muito sucesso, à exceção de uma sequência de viradas que Igor Cavalera dá em seu kit de bateria. “Drowned Out” traz esse Sepultura novo tentando soar Hardcore. A música em si é boa, mas nada de outro mundo. “Hatred Aside” traz mais Hardcore, mas com participação de Jason Newsted, o membro do Metallica que era mais próximo dos brasileiros naquele momento. A música nos garante alguns momentos batendo cabeça, ainda que a técnica utilizada aqui seja bem pobre.

T3rcemillenium” traz a participação do grupo japonês Kodõ e é uma música completamente instrumental e experimental, não recomendada para quem deseja escutar algo pesado em um disco de Rock, embora eu não tenha nada contra as batidas. Nem a favor. As versões brasileiras e japonesas tem duas faixas bônus: a excelente versão para “Gene Machine/ Don’t Bother me“, do Bad Brains e a desnecessária “Prenúncio“, que conta com Jairo Guedz na guitarra e com um monólogo recitado por Zé do Caixão.

Depois de 55 minutos e 17 intermináveis faixas, temos a sensação de que o esforço da banda foi válido, mas o resultado foi longe de ser alcançado. Se a intenção era se distanciar do que foi feito em “Roots“, eles conseguiram, mas isso não coloca “Against” nem de perto como sendo um dos melhores discos da era Derrick Green. Um fator relevante foi a Roadrunner ter continuado o contrato com a banda, ainda que “Nation“, o sucessor fosse o último play da banda pela gravadora. Mas o selo que abriu as portas do mundo para os brasileiros, deu um voto de confiança para a nova formação.

Se comparado com “Roots“, o que chega a ser uma covardia, “Against” foi uma verdadeira decepção em termos de vendas: foram apenas 18 mil cópias adquiridas na primeira semana de vendas nos Estados Unidos. O único chart que o disco figurou foi na “Billboard 200“, onde chegou a 82ª posição. A única música que a banda ainda toca nas apresentações ao vivo é “Choke“. Em 2019, Derrick Green deu a seguinte declaração sobre o play:

“Eu me sinto muito orgulhoso e feliz com isso, porque afetou tantas pessoas que eu não percebia (naquela época). Na época em que estávamos fazendo os shows, as pessoas tinham acabado de entrar nas mudanças da banda, mas muitas pessoas têm ótimas histórias desde a primeira vez que ouviram este álbum. Então eu realmente sinto isso agora, quando tocamos essas músicas, o quão animadas as pessoas ficam, sabe? É ótimo ver essa evolução das pessoas tendo tempo para ‘ingerir’ todas as mudanças e tudo mais. É um álbum tão importante para manter a banda unida.”

Em 1999, o Sepultura desembarcou no Brasil para fazer alguns shows abrindo para o Metallica, que vinha maç das pernas após os lançamentos de “Load” e “Reload” (N.do R: o fã mais xiita irá gritar “o Black Album também” quando ler essas linhas) e reza a lenda de que após os brasileiros agitarem mais a platéia do que os cabeças do The Big 4, estes ordenaram aos técnicos de som que deixassem o som do Sepultura com qualidade inferior que o deles. Mas isso em nada adiantaria, a galera estava p… da vida com a banda de James Hetfield e Lars Ulrich, que há relatos de um headbanger que conseguiu acertar um coturno bem na cara do frontman da banda, que ficou pistola, com total razão, pois se o fã tá insatisfeito com o trabalho de um artista, a melhor forma de se protestar é não indo ao show e não fazendo esse tipo de papelão. Na época, ainda que a banda carregasse o fardo de ter perdido seu vocalista e fundador, não era difícil ser melhor que o Metallica em cima dos palcos, pois os grandes hits da banda ainda estavam bem fresquinhos.

É um disco difícil sim, mas que tem a sua importância na carreira da maior banda brasileira de Heavy Metal, que segue na ativa até os dias atuais, se distanciando do som que os fizeram ficar conhecidos, é bem verdade, mas que faz parte da história da banda e que não pode ser desprezado, até porque é um marco do distanciamento definitivo do Thrash Metal que um dia os consagrou. Em breve tudo estará voltando ao normal e o Sepultura estará de volta aos palcos. O Rock in Rio vai receber a banda novamente no próximo ano.

Against – Sepultura
Data de lançamento – 06/10/1998
Gravadora – Roadrunner

Faixas:
01 – Against
02 – Choke
03 – Rumors
04 – Old Earth
05 – Floaters in Mud
06 – Boycott
07 – Tribus
08 – Common Bounds
09 – F.O.E.
10 – Reza
11 – Unconsious
12 – Kamaitachi
13 – Drowned Out
14 – Hatred Aside
15 – T3rcemillenium
16 – Gene Machine/ Don’t Bother me
17 – Prenúncio

Formação:
Derrick Green – vocal/ udu/ caixa (de bateria)
Andreas Kisser – guitarra/ violão/ backing vocal/ djembe/ chocalho/ timbales/ bandolim/ cítara/ bongô
Igor Cavalera – bateria/ conga/ chocalho/ agogô/ percussão/ djembe/ timbales/ sinos/
Paulo Júnior – baixo/ udu/ berimbau

Participações especiais:
Motofumi Yamaguchi – percussão
Tomohiro Mitome – percussão
Tesuro Naito – percussão
Silvio Bibika – Djembe
Jason Newsted – guitarra/ vocal/ teremim/ percussão
Takahito Nishino – percussão
Hideyuki Saito – percussão
Gringo – backing vocal
Judd Kalish – rototom
Zé do Caixão – vocal
Takesshi Arai – percussão
Eiichi Saito – percussão
Zebrahead – backing vocal
João Gordo – vocal
Miles Tackett – violoncelo