Memory Remains

Memory Remains: Sepultura – 28 anos de “Roots” e a explosão do Metal com ritmos brasileiros

20 de fevereiro de 2024


Há exatos 28 anos, em 20 de fevereiro de 1996, o Sepultura lançava “Roots“, o sexto álbum da maior banda brasileira de Heavy Metal de todos os tempos e também o último com a formação clássica, com os irmãos Cavalera, Andreas Kisser e Paulo Xisto. Esse álbum que balançou as estruturas da cena metálica mundial na segunda metade dos anos 1990 é tema do nosso Memory Remains desta terça-feira.

O play é uma ode aos verdadeiros donos desta terra, encontrada e explorada pelos portugueses há quase 524 anos atrás. E nós, descendentes, demos sequência ao massacre contra esse povo. O ápice deste massacre foi a situação covarde que o ex-presidente da República, o qual será preso em breve, qualquer cidadão com um mínimo de decência, está esperando por isso. Pois bem, esse inominável, vulgo, inelegível, autorizou o garimpo ilegal no estado de Roraima, que causou a morte de muitos indígenas da tribo ianomâmi. As cenas comoventes deixaram nossos corações partidos. Claro que o fã conservador e que votou 22 nas últimas eleições presidenciais não pensa assim. Bem, a gente convive com a ignorância desde sempre.

Você que chegou até aqui, já percebeu que o texto trata de música e política. Se você acha que política não deve ser debatida ou misturada com outros assuntos, sinta-se convidado a se retirar desta leitura, pois este quadro tem um lado e ele é sempre o da esquerda. Toda a sua vida depende da política, goste você ou não. Cabe você decidir se te interessa saber sobre as decisões de Brasília que irão interferir em sua vida e na vida do seu próximo, no caso aqui, as vidas indígenas que foram ceifadas, sem contar os 700 mil mortos na pandemia por pura negligência do chefe de Estado. Até por isso, “Roots” merece e deve ser reverenciado todos os dias.

Falando da parte musical, para que possamos ter ideia da importância do aniversariante do dia, e essa importância é em nível mundial, portanto, desconsidera a opinião do hater que acha que o Sepultura “acabou no Arise”, vamos trazer uma parte do texto de Dave Grohl, um fã assumido não só de Heavy Metal, mas também do Sepultura. O texto é parte do prefácio do livro “My Bloody Roots“, a autobiografia de Max Cavalera, onde ele fala sobre a experiência de escutar “Roots” em seu estúdio. Aspas para o líder do Foo Fighters:

O estúdio do Foo Fighters é um lugar e tanto (…) A primeira coisa que fizemos foi instalar alto-falantes gigantescos na sala de controle (…) Eram os melhores do mundo. Eu não via a hora de ligá-los na tomada e escutar o ‘Roots’, do Sepultura. Assim que coloquei o disco para tocar com o volume no talo, ele explodiu as caixas de imediato. Alto-falantes de cinquenta mil dólares arruinados por causa de Roots“.

O cara realmente gosta da sonoridade que o Sepultura alcançou em meados dos anos 1990, quando infelizmente houve o impasse sobre a renovação do contrato da empresária Glória Cavalera, esposa de Max e que culminou com a saída do frontman, do cara que criou a banda. Tem vídeos circulando pela internet onde Dave Grohl conversa em um talk show (vamos deixar o vídeo abaixo) estadunidense e uma brasileira pensa que ele vai procurar por músicas mais populares de nossas terras e ele afirma a sua devoção pelo quarteto. E em seu projeto de Heavy Metal, o “Probot” (2004), ele convidou Max Cavalera para cantar em uma faixa, “Red War”. Max teve a honra de fazer parte de uma obra que teve gente do gabarito de Lemmy Killmster e King Diamond, para se ter uma ideia. Nós falamos recentemente sobre esse álbum e caso você tenha perdido, poderá ler, clicando AQUI.

Em 1996, o Heavy Metal andava mal das pernas. O Metallica havia virado uma banda de Hard Rock. O Iron Maiden apesar de ter lançado um bom álbum, passava por mais bocados com a reação favorável dos fãs para com Blaze Bayley. Outras bandas tinham crise de identidade e o Sepultura e o Pantera carregavam a bandeira do Metal e eram as grandes bandas do estilo naquele momento. O quarteto brasileiro vinha de um grande disco, “Chaos A.D.“, que já continha um esboço do que viríamos a testemunhar aqui em “Roots“, mas essa brasilidade veio de muito antes: em “Altered State”, do álbum “Arise“, havia algo neste sentido, com algumas batidas tribais. Ou seja, há pelo menos cinco anos antes, os “jungle boys” já davam indícios de que a brasilidade se juntaria ao peso do Heavy Metal a qualquer momento.

É um disco um tanto quanto controverso: amado por muitos, odiado por outros tantos, mas todos concordam que “Roots” foi o disco que realmente transformou o Sepultura em uma banda gigante. Ainda que por um breve momento, já que após a saída de Max Cavalera, a banda perdeu muito de sua relevância no cenário internacional. Por fazer diferente em uma época que o Metal andava por baixo e sob forte campanha, inclusive da MTV, que decretava a morte do estilo. Hoje vemos que tal afirmação era leviana e mentirosa, pois o Metal segue vivo.

Como afirmado acima, o Sepultura já havia feito diferente em “Chaos A.D.”, o antecessor do homenageado do dia. Se este já havia dividido opiniões por parte dos que gostariam de ver a banda repetir a já velha fórmula usada nos primeiros álbuns, Max Cavalera e sua trupe resolveram criar um modo único de tocar Heavy Metal. E com toda a brasilidade. Eles foram além do que já tinham feito e mostraram ao mundo um pouco da nossa história, das nossas raízes e uma homenagem bem justa aos donos desta terra, por mais que o headbanger bolsominion dê ataque ao ler essa verdade.

Max Cavalera tinha planos mais ambiciosos. E na já citada autobiografia “My Bloody Roots“, ele conta que após ter assistido a um filme chamado “Brincando nos Campos do Senhor“, ele teve a ideia de procurar uma tribo indígena e colocar tudo isso em prática. O frontman ainda conta no livro que sua esposa, à época, também empresária da banda, Glória Cavalera, quase surtou quando este lhe contou seus planos. Aspas para a senhora Cavalera:

Vocês não são o Michael Jackson, não têm orçamento ilimitado”.

Mas ele de forma inteligente retrucou dizendo que nenhuma banda havia tentado este feito. E era a chance de o Sepultura, novamente, fazer história. Então Max teve uma ideia ainda mais louca: queria gravar com os índios Caiapós, porém, a pessoa que fez essa ponte entre a banda e a tribo, Angela Pappiani, indicou outra tribo, os Xavantes, que eram mais “amigáveis” com o homem branco. E assim foi feito.

Outro desafio foi convencer os empresários da “Roadrunner” a bancar esta ideia, que parecia louca. “Isso é um produto para cometer suicídio”, disse Monte Conner (à época, um dos executivos da gravadora) a Max, que gostou tanto da frase que usou no nome do álbum ao vivo de seu projeto com Alex Newport, o Nailbomb (“Proud to Commit Commercial Suicide”). Desconfiados de que a banda pudesse sair da floresta com uma compilação de reggae, os executivos foram convencidos. E não se arrependeriam disso.

O próximo passo, foi encontrar um percussionista, pois a ideia não era somente incluir os indígenas na gravação do novo disco, e sim, como relembra Max, chegar às raízes da música brasileira. Carlinhos Brown aceitou o convite para participar com as percussões brasileiras e todos entraram no “Indigo Ranch”, em Malibu, com Ross Robinson responsável pela produção. Aqui, temos além dessa brasilidade misturada ao Heavy Metal, guitarras afinadas em si, dando um peso absurdo ao som.

Bolacha rolando, temos na versão brasileira do play, 66 minutos e 17 canções. A versão oficial tem apenas 15 músicas, as outras duas são covers para Black Sabbath (“Symphton of the Universe”) e Celtic Frost (“Procreation of the Wicked“). A primeira, havia entrado no álbum tributo ao Black Sabbath, “N.I.B.”, lançado dois anos antes. As músicas mostram um Sepultura ainda mais pesado do que era no álbum anterior, o não menos maravilhoso e diversas vezes já citado “Chaos A.D.“, e com ainda mais brasilidade. Temos muita percussão, berimbau, cantos indígenas, tudo que irrita um headbanger conservador (ainda que essas duas palavras não caibam em uma mesma frase), mas de uma riqueza ímpar. Alguns clássicos eternos da banda foram forjados aqui, como “Roots Bloody Roots“, “Attitude” e “Rattamahatta“. Temos também a banda trazendo suas influências Punk na espetacular “Spit“. As mensagens também são de fazer qualquer seguidor do inominável ex-presidente querer cancelar a banda, como “Ambush“, que trata da Amazônia e de Chico Mendes e a mais maravilhosa de todas, “Dictatoshit“, que lembra o quão sangrenta foi o período da ditadura militar no Brasil, que muitos com desvio de caráter hoje em dia defendem o retorno, principalmente aqueles que cantaram o hino nacional para o pneu nas portas dos quartéis. Claro que temos o anti-clímax, como em “Lookaway“, que é chata ao extremo, mas nem ela tira o brilho do álbum.

O título do disco, traduzido, significa Raízes e os caras souberam trazer estas raízes e explicar ao mundo que o Brasil não é só composto por mulheres de biquínis nas praias, passistas nas escolas de samba e futebol (aliás, este último ponto, praticamente deixou de existir após o vexatório 7 a 1, na semifinal da Copa de 2014 e os vexames nas copas posteriores). Na questão política, o 7 a 1 se repetiu diariamente nos últimos quatro anos, com um acéfalo elevado ao poder e que não aceitou a derrota nas urnas, então inflou seu exército de Minions para que estes praticassem as cenas lamentáveis do 8 de janeiro de 2023, quando num ato golpista, atacaram covardemente as sedes dos Três Poderes. Felizmente, a democracia venceu e o Brasil aos poucos vai recuperando seu prestígio perante o Mundo.

É um disco pesado, denso… Moderno demais? Para a época, sim, mas mostra uma banda à frente de seu tempo. Tem a polêmica sobre a banda ter se inspirado no Korn, que gravou seu disco de estreia um pouco antes, mas o fato é que a banda se tornou gigante, fez turnê por todo o mundo, incluindo festivais como o “Ozzfest”, “Dynamo Open Air”. Poderia se tornar o novo Metallica, sem nenhum exagero, não fosse a treta com a demissão da empresária Glória Cavalera, que fez o seu marido Max abandonar a banda, no final de 1996.

Em 2022, os irmãos Max e Iggor se juntaram e fizeram uma tour tocando o “Roots” na íntegra e essa turnê passou por duas vezes em terras brasileiras e quem testemunhou os verdadeiros compositores e idealizadores do Sepultura, tocando as músicas da banda que eles criaram e ajudaram a se tornar o maior expoente brasileiro no Heavy Metal, pode se considerar um afortunado.

A capa deste disco é simplesmente fantástica, reproduzindo uma antiga nota de mil cruzeiros, em que dois índios ilustram a cédula. A banda utilizou a imagem de um dos índios e ficou sensacional. Para os mais novos que só pegaram o Real como moeda, abaixo a imagem que inspirou a “louca” ideia de Max Cavalera.

Nota de mil reais, que inspirou a capa de Roots. Foto: Reprodução

Hoje o Sepultura está com sua formação bem modificada, e eles irão iniciar sua turnê de despedida dos palcos. Andreas e Paulo Xisto tanto tentam se distanciarem destes tempos, mas não conseguem, pois se os membros atuais representam uma formação até mais virtuosa, são as músicas antigas que levantam o público que comparece para prestigiar os shows da banda. Essa afirmação se torna legítima pelo simples fato de que a música “Roots Bloody Roots” é sempre a que fecha às apresentações do Sepultura.

Hoje é dia de celebrar esse lindo álbum, que envelhece bem, obrigado e está chegando aos 30 anos, como um dos maiores álbuns já lançados por uma banda de Heavy Metal brasileira. “Roots” influenciou muitas gente, inclusive o New Metal. Que orgulho saber que uma banda brasileira mostrou ao mundo que o Brasil não tem só samba e bossa nova. “Roots” é Metal, com muitas misturas, mas foi o que fez o Sepultura deixar de ser mais um na multidão. Vamos escutar essa belezura no volume máximo.

Roots – Sepultura

Data de lançamento: 20/02/1996

Gravadora: Roadrunner

 

Faixas:

01 – Roots Bloody Roots

02 – Attitude

03 – Cut-Throat

04 – Rattamahatta

05 – Breed Appart

06 – Straighthate

07 – Spit

08 – Lookaway

09 – Dusted

10 – Born Stubborn

11 – Jasco

12 – Ítsari

13 – Endangered Species

14 – Dictatorshit

15 – Procreation (Of the Wicked) (Bônus Track)

16 – Sympthon of the Universe (Bônus Track)

 

Formação:

Max Cavalrea – Vocal/Guitarra

Iggor Cavalera – Bateria

Andreas Kisser – Guitarra

Paulo Junior – Baixo

 

Participações Especiais:

Carlinhos Brown – Vocal/Percussão/Berimbau/

Johnatan Davis – Vocal (Lookaway)

Mike Patton – Vocal (Lookaway)

Dj Lethal – Toca-discos (Lookaway)

Ross Robinson – Percussão (Rattamahatta)

Tribo Xavantes – Canto (Born Stubborn e Ítsari) e Percussão (Ítsari)