Memory Remains

Memory Remains: Sepultura – “Chaos A.D.” é o novo trintão do Heavy Metal

2 de setembro de 2023


Há 30 anos, o mundo era bastante diferente deste que vivemos. O Brasil vivia a transição da moeda, que viria a se tornar o Real. No mundo, a Iugoslávia entrava em uma violenta guerra civil que culminou em sua divisão, originando algumas outras nações. No esporte, o São Paulo conquistava o bi mundial de futebol e na música, vivíamos o auge das bandas de Rock Alternativo, sobretudo do movimento grunge de Seattle. Mas no Heavy Metal, tivemos um grande motivo de orgulho para nós brasileiros, pois o Sepultura lançava no dia 2 de setembro, “Chaos A.D.“, o quinto álbum da discografia da maior banda brasileira de Heavy Metal de todos os tempos e que é tema do nosso Memory Remains deste sábado.

O álbum marca uma virada na fase do Sepultura, que começou Death/ Black Metal em “Morbid Visions“, o disco de estreia, depois foi ganhando corpo com a entrada de Andreas Kisser e se tornando referência no Thrash Metal. Mas a inclusão do Groove, elementos da música brasileira e a adoção de afinações mais baixas, foram fatores que tornaram a banda diferenciada na cena. Claro que há os que torcem o nariz e dizem que a banda acabou aqui, mas honestamente, foi aqui que os brasileiros começaram a trilhar o caminho que eles chegariam caso não houvesse a treta que envolveu a então empresária Gloria Cavalera e culminou com a saída de Max. Certeza absoluta que o Sepultura seria o novo Metallica. Só que mais pesado e sem precisar amaciar o seu som.

Para se distanciar do Thrash Metal e deixar de ser só mais uma na multidão, o quarteto se juntou ao produtor Andy Wallace, que já havia trabalhado na mixagem do antecessor “Arise” e todos voaram para o Rockfield Studios, no País de Gales, o mesmo estúdio onde o Rush gravou “A Farewell to Kings“, aniversariante de ontem e do qual nós falamos dele, você pode clicar AQUI para conferir. O estúdio foi sugestão de Andy Wallace. A banda ficou por lá durante boa parte do ano de 1992 e a única faixa que não foi gravada no Rockfield foi a instrumental “Kaiowas“.

A respeito da “Kaiowas“, eles a gravaram nas ruínas de um castelo medieval de Chesptow. Em um primeiro momento eles sequer cogitaram em tocar ao vivo essa música, mas rapidamente mudaram de ideia, como disse uma vez o guitarrista Andreas Kisser, que disse afirmou ter mudado de ideia após ver a banda Neurosis tocar uma faixa acústica ao vivo. Aspas para ele:

Nós vimos naquele vídeo ao vivo que os caras do Neurosis largaram suas guitarras e todo mundo começou a tocar bateria no palco. Decidimos tentar a mesma coisa. Ensaiamos uma vez e foi maravilhoso. Não paramos de tocar a música ao vivo desde então.”

Duas curiosidades acerca do álbum: a primeira é que finalmente Paulo Xisto, à época respondia como Paulo Junior tomou vergonha na cara e passou a registrar suas partes de baixo, que antes eram gravadas por Andreas Kisser ou Max Cavalera. A única vez que ele havia registrado algo foi no final da música “Stronger Than Hate“, lá em 1989, no álbum ‘Beneath the Remains“. Paulo Junior não tomou tal atitude por livre e espontânea verdade e sim porque foi pressionado pelos demais membros da banda. A segunda curiosidade é que a banda gravou alguns covers: “The Hunt“, do New Model Army, “Polícia“, do Titãs, “Crucificados Pelo Sistema“, do Ratos de Porão, “Inhuman Nature“, do Final Conflict e “Drug Me“, do Dead Kennedys. Somente a primeira entrou no álbum, por sugestão de Igor, grande fã da banda londrina. ‘Polícia” veio como bônus track da versão brasileira e as outras duas acabaram entrando no EP “Refuse/Resist“, lançado pouco tempo depois.

O álbum mostra também uma mudança na parte lírica da banda, já que eles deixaram de lado os temas digamos mais obscuros, para abordar os problemas da sociedade como a violência urbana, os problemas sociais, a questão ambiental e contaram até a história do massacre do Carandiru, um presídio em São Paulo onde policiais despreparados acabaram com uma rebelião de detentos, ceifando a vida de muitos deles. Temos aqui as contribuições de Evan Senfield, do Biohazard e de Jello Biafra. Eles são os autores das letras de “Slave New World” e “Biotech is Godzilla“, respectivamente. Esta última, inclusive, trata da poluição do planeta e fala da Eco-92, um evento realizado na cidade do Rio de Janeiro um ano antes, onde as principais lideranças do mundo se reuniram para discutir os problemas ambientais.

Em pouco mais de 49 minutos temos um disco maduro, pesado e com identidade própria. Obviamente que o fã mais radical vai reclamar das guitarras rápidas, do Thrash Metal que era tocado pela banda. Que a fase antiga era boa, não restam dúvidas, mas mostravam um Sepultura genérico. E certamente, “Chaos A.D.” marcou uma nova era para os brasileiros e foi o início de um processo que deixou a banda no topo.

O Sepultura caiu na estrada, o que rendeu talvez uma das maiores turnês da sua história. Foram shows em festivais como o Dynamo Open Air, o Mosnters of Rock, em Donnington Park, o Hollywood Rock, no ano de 1994, além da famosa turnê nos Estados Unidos junto com o Pantera, durante a Copa do Mundo de futebol que foi realizada na terra do Tio Sam. Era só o começo, eles iriam abalar ainda mais as estruturas do Metal ao lançar “Roots“, três anos depois.

Durante a turnê, houve um incidente que levou Max Cavalera a trocar a letra da música “Antichrist“, originalmente lançada no EP “Bestial Devastation“, para “Antichrist“. A polícia de Berlim recebeu uma denuncia falsa de que o tour-bus do Sepultura estava lotado de cocaína. Insatisfeito com a ação dos policiais, o então líder do Sepultura trocou a letra e o título da música, que era executada naquela turnê. Ele sempre explicava a mudança na letra e quem possui o álbum “The Roots of Sepultura“, lançado depois e que consiste em um álbum duplo onde o primeiro disco é o “Roots” e o segundo um compilado de músicas jamais lançadas em álbuns oficiais, covers e faixas ao vivo, pode conferir uma versão ao vivo da música e Max explicando a troca. Ele não cita diretamente o episódio em Berlim.

Max também teve problemas com a polícia durante a apresentação no já citado Hollywood Rock de 1994. O festival acontecia em São Paulo e no Rio de Janeiro em dois finais de semanas consecutivos. Ao final da apresentação, algum fã jogou uma bandeira do Brasil no palco e o frontman a pegou. Ao chegar no camarim, ele foi surpreendido por policiais e levado para a delegacia sob a acusação de desrespeitar a bandeira brasileira. Para o leitor ter uma ideia, na época já tínhamos o que hoje chamamos de fake newsMax foi acusado de cuspir e até urinar na bandeira. Como nada foi provado, ele acabou liberado logo depois.

Chaos A.D.” teve um bom desempenho nos charts mundo afora: 11° na Alemanha, Suécia e Reino Unido, 15° na Nova Zelândia e Suíça, 16° na Noruega, 19° na Áustria, 21° na Holanda, 23° na Hungria, 27° na Austrália e 32° na “Billboard 200”. Foi certificado com Disco de Ouro nos Estados Unidos, Austrália, Holanda e Reino Unido. A revista “Rolling Stone Brasil” elegeu o álbum como o 46° em uma lista dos 100 melhores álbuns da música brasileira. Já a versão estadunidense da mesma revista, colocou o álbum na 29ª posição entre os melhores discos de Heavy Metal de todos os tempos. Não é pouca coisa.

Os resultados comerciais poderiam ter sido ainda melhores se a Epic, gravadora com a qual os brasileiros assinaram um contrato de distribuição, não tivesse preterido o aniversariante do dia, dando prioridade para divulgar os álbuns de bandas como Prong e o Fight, que como sabemos, teve muito menos impacto na cena do que o Sepultura.

Hoje não temos mais a formação clássica em ação. Max e Igor regravaram este ano as duas primeiras obras do Sepultura, “Bestial Devastation” e “Morbid Visions”. Fica a nossa expectativa para que os irmãos prestem algum tipo de homenagem a esse álbum que marcou época, quem sabe uma turnê comemorativa. Afinal são trinta anos muito bem vividos. A formação atual do Sepultura também sabe disso, tanto que algumas das músicas do aniversariante do dia ainda são tocadas pela banda hoje alavancada por Andreas Kisser e são as que mais levantam o público presente.

Chaos A.D.” é o álbum mais importante do Heavy Metal nacional. Se já existia uma cena no Brasil há pelo menos dez anos antes de seu lançamento, foi através dele que o Brasil passou a ser observado por uma perspectiva além de samba, futebol e mulheres de biquíni nas praias. Hoje é dia de celebrar o mais novo trintão da cena, escutando-o no volume máximo. Quem viveu essa época, trinta anos depois talvez tenha a consciência de que era feliz e não sabia.

Chaos A.D. – Sepultura

Data de lançamento – 02/09/1993

Gravadora – Roadrunner/ Epic

Faixas:

01 – Refuse/ Resist

02 – Territory

03 – Slave New World

04 – Amén

05 – Kaiowas

06 – Propaganda

07 – Biotech is Godzilla

08 – Nomad

09 – We Who Are not as Others

10 – Manifest

11 – The Hunt

12 – Clenched Fist

13 – Polícia

 

Formação:

Max Cavalera – guitarra/ vocal

Igor Cavalera – bateria

Andreas Kisser – guitarra

Paulo Junior – baixo