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Memory Remains: Titãs – 32 anos de “Õ Blésq Blom” e a influência sobre o futuro Manguebeat

Memory Remains: Titãs – 32 anos de “Õ Blésq Blom” e a influência sobre o futuro Manguebeat

16 de outubro de 2021


O Memory Remains deste sábado vai tratar de “Õ Blésq Blom“, o quinto álbum dos Titãs, que está completando 31 anos na presente data. Nos vamos te contar contar as histórias por trás desse play, que não prima necessariamente pelas guitarras pesadas e distorcidas, mas tem sua importância no cenário do Rock nacional.

A banda vinha em seu momento mágico, que durou entre os álbuns “Cabeça Dinossauro” (1986) e “Titanomaquia” (1993). O álbum anterior, “Jesus não tem Dentes no País dos Banguelas” foi bem recebido pela crítica e público e a banda havia lançado o primeiro álbum ao vivo, “Go Back“, onde os rapazes registraram a histórica apresentação no Festival de Montreux, na França, sendo a primeira aparição internacional do octeto.

É bem verdade que o aniversariante do dia não é um álbum que tem momentos de peso como “Cabeça Dinossauro” e “Jesus não tem Dentes”…, pelo contrário, há coisas experimentais, que inclusive, veio a influenciar uma galera de Recife que viria a ser conhecida como uma nova vertente, que misturava o Rock com ritmos regionais, como o baião, por exemplo: estamos falando do Manguebeat.

Neste álbum, a banda resolveu incluir a participação de um casal folclórico de Recife. Trata-se de Mauro e Quitéria, que eles descobriram em uma de suas passagens pela capital Capibaribe. Mauro, um ex-estivador, que trabalhava no Porto, deficiente visual, e cantava em um idioma próprio, daí nasceu o título do álbum, uma frase que Mauro repetia sempre. Paulo Miklos e Tony Bellotto encontraram os dois na porta do hotel e gravaram as frases que escutamos nas vinhetas que iniciam e encerram o álbum, além de alguns trechos da música Miséria.

O casal recebeu NCz$ 6.000 (na época, nossa moeda era o Cruzado Novo) pela participação no álbum. Hoje em dia, esse valor corresponde a pouco mais de R$76.500, corrigidos pelo IPCA. A banda cogitou em levar o casal para a turnê, o que acabou sendo inviabilizado em decorrência da logística. Mas a amizade foi criada e sempre que a banda estava em Pernambuco, o casal estava junto. Abaixo, o leitor pode ver um vídeo onde Mauro exibe seus dotes. O cara tinha um carisma muito grande, além de ser engraçado.

De posse com a gravação do idioma “estranho” do casal, a banda se reuniu no estúdio “Nas Nuvens“, no Rio de Janeiro, entre julho e setembro de 1989, na companhia do produtor Liminha, para gravar o play. Nando Reis enfrentou uma barra, pois sua mãe havia falecido pouco tempo antes do início das gravações, mas ele próprio considera que o fato de ter ocupado sua mente com a gravação ajudou a enfrentar o período de luto. A capa é de autoria de Arnaldo Antunes e foi escolhida entre outras cinco gravuras apresentadas por Arnaldo, através de votação, como tudo que decidia os rumos da banda.

Vamos colocar a bolacha para rolar e temos a primeira vinheta do casal Mauro e Quitéria, quando entram os teclados de Liminha e Sérgio Britto em “Miséria“, uma música que permanece atual até hoje. É uma das músicas mais populares da banda e embora seja mais puxada para a New Wave do que propriamente para o Rock, não deixa de ser uma boa canção.

As próximas duas faixas são bem experimentais: “Racio Símio“, que tem uma letra interessante é caracterizada pelo uso dos sintetizadores e “O Camelo e o Dromedário“, traz de volta elementos do Reggae, que a banda havia utilizado lá em “Cabeça Dinossauro“. A letra dessa ajuda a entender a diferença entre os dois animais. Interessante, com direito a algumas metáforas.

A seguir temos “Palavras“, uma música bem pop, onde as guitarras já dão as caras, ainda que timidamente. Aqui temos novamente Sérgio Britto no vocal, de longe a voz mais agradável da banda. Em “Medo“, o primeiro flerte para valer com o Rock, mas precisamente com o Punk. E a letra, o que dizer do trecho que Arnaldo Antunes parece prever que mais de 30 anos depois teríamos um exército de zumbis que questionam a ciência, favorecendo discurso negacionista alinhado a um governo fascista que se instalou em terras Brasilis. O vocalista é bem claro em seu discurso: “Precisa perder o medo da ciência”. Genial.

Uma pequena vinheta chamada “Natureza Morta“, que está apenas na versão em CD,  antecede um dos maiores clássicos da banda: “Flores“, que traz novamente as guitarras fletarnfo com o Rock. O ponto alto aqui é o solo de Saxofone de Paulo Miklos. Muito bom. O “Pulso“, uma das minhas músicas favoritas de sempre dos Titãs chega com seu clima Classic Rock e com uma letra que traz uma lista de doenças e que é recitada por Arnaldo Antunes. Um hit incontestável.

32 Dentes” mantém o clima Rock and Roll em alta e é mais uma das canções que pertencem ao rol das clássicas dos Titãs. Já “Faculdade” é uma música bem chatinha e essa nasceu depois de um sonho que Nando Reis teve. E ele mesmo admite que a música não é lá essas coisas. “Deus e o Diabo” se não é uma canção brilhante, ao menos é engraçada e é a última música propriamente dita do álbum, enquanto que a “Vinheta Final por Mauro e Quitéria” fecha o play com a já conhecida linguagem criada pelo casal.

Õ Blesq Blom“, segundo Mauro, significa terra que foi habitada pelos primeiros homens, de acordo com esse idioma que ele criou, do qual somente ele compreendia. A grafia foi sugerida por Nando Reis. Mauro, juntamente com Quitéria, chegou a participar de alguns shows com a banda. Ele faleceu em 1992, vítima de pneumonia. Não temos notícias de Quitéria, mas é bem provável que também já tenha falecido.

O álbum, embora seja bem menos Rock ‘n’ Roll que os dois anteriores, “Cabeça Dinossauro” e “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e não tenha 10% do peso dos que viriam a seguir, “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” e “Titanomaquia“, tem a sua importância no cenário nacional. Paulo Miklos deu uma entrevista à revista Bizz onde afirmava que Chico Sceince havia lhe confidenciado que os futuros nomes do Manguebeat estavam na primeira fileira dos shows da banda, em Recife, o que deixa mais que explícito a influência que o disco teve sobre o movimento que emergiu anos depois, que inclusive foi valorizado pelo selo criado pela banda, a Banguela, que revelou nomes como Raimundos e Little Quail, por exemplo.

Õ Blésq Blom” vendeu cem mil cópias nas duas primeiras semanas de lançamento, o que fez com que a banda fosse certificada com Disco de Ouro. No ano de 2007, a revista “Rolling Stone Brasil” elegeu o álbum o 74° melhor álbum da música brasileira. Caetano Veloso foi o responsável por escrever o press release do álbum. O vocalista e tecladista Sérgio Britto considera esse como sendo um dos melhores trabalhos de toda a carreira dos Titãs e recentemente ele defendeu o uso excessivo dos teclados e samplers, em detrimento das guitarras, alegando que em tantos outros álbuns ele não gravou sequer uma nota de teclado e que havia chegado a sua vez de fazer acontecer.

Temos um bom disco no cenário nacional de uma banda que um dia esteve entre as maiores do Rock brasileiro. Hoje infelizmente eles parecem mais uma banda de MPB do que aquela banda que tinha certa simpatia dos fãs de música mais pesada. Mas vale o registro desse disco que tem ótimos momentos e sim, é obrigatório na coleção de quem aprecia o bom e velho Rock ‘n’ Roll.

Õ Blésq Blom – Titãs
Data de lançamento – 16/10/1989
Gravadora – Warner

Faixas:
01 – Introdução por Mauro e Quitéria
02 – Miséria
03 – Racio Símio
04 – O Camelo e o Dromedário
05 – Palavras
06 – Medo
07 – Natureza Morta
08 – Flores
09 – O Pulso
10 – 32 Dentes
11 – Faculdade
12 – Deus e o Diabo
13 – Vinheta Final por Mauro e Quitéria

Formação:
Arnaldo Antunes – vocal
Branco Mello – vocal
Sergio Britto – vocal/ teclado
Nando Reis – vocal/ baixo
Paulo Miklos – vocal/ saxofone
Marcello Fromer – guitarra
Tony Bellotto – guitarra
Charles Gavin – baixo

Participações especiais:
Liminha – bateria eletrônica e programação de teclados
Mauro e Quitéria – vozes