Resenhas

Homo Pacificus

Luno

Avaliação

9.0

Como se o horizonte se abrisse num desafio sonoro que desdenha das limitações, como um deslumbrante vitral composto por pequenos ladrilhos musicais ou como um pandemônio de cores, poesias, tons, nuances e expressões que vão do riso ao pranto. “Homo Pacificus” é sobretudo, arte — na interpretação real da palavra e na compreensão absoluta da mesma.

Em sua elasticidade artística, “Homo Pacificus” é o primeiro passo na jornada solitária empreendida pelo baixista Luno Torres (ex-Plástico Lunar), que no álbum foi acompanhado pelos músicos Gabriel Perninha (The Baggios) e pelo multi-instrumentista Leo Airplane (que também cuidou da produção do mesmo).

Belo, fragmentado (embora sempre coeso), sensorial e multidirecional, o disco se abre num leque imenso de influências e possibilidades. Rock Progressivo, extratos psicodélicos, jazz, música regional, música indiana e até circense — de Beatles até Mutantes, de Zé Ramalho (e similares) até as pequenas joias floydianas extraídas da mente de Syd Barrett. Enfim, um disco que transita entre o burlesco, a sagacidade e a seriedade corrosiva dos tempos atuais. Talvez como um mosaico, um enigma musical ou um cubo mágico de sensações sonoras. Seja qual for a definição, ela será apenas ilustrativa frente a todas as concepções que o disco oferece e sim, é impossível ouvi-lo e nada sentir ou mesmo questionar.

Seja na aspereza ludibriosa de “Circo De Focas”; que se descortina em ares misteriosos e densos, mas no instante seguinte deságua num ritmo alegre. Nas linhas poéticas que nos guiam ao transe progressivo que é “Valerie”; no humor ácido exposto na tragicômica “Senhorita Aflita”: “o futuro é um salto de um prédio, se diverte alto com os remédios. Sua brincadeira é fingir ser feliz…” ou na pseudo festiva “Lá Se Vai Mais Uma Vida”; tema que se dilata num Prog-Jazz e guarda em seu recheio diversas reflexões sobre a morte, sobre o desejo por mudança e sobre a tão bem-vinda (nestes tempos) esperança.

Seria fácil destacar todas as faixas, pois “Homo Pacificus” é pleno de beleza em toda sua imensidão de ideias. De seus adornos até seu conteúdo. É arte. Arte em letras, sons, cores e sabores. Luno dá de ombros para os rótulos e suas validades, debocha dos artistas artificiais e mostra que ainda existem artesões musicais genuínos no Brasil, seres cientes e necessários, ainda que estejam em extinção. Um disco simplesmente único. Aos acomodados, um verdadeiro deboche para com seus rituais habituais, aos viciados em experiências sonoras e viagens ao mundo tendo nos ouvidos o teleporte, uma fina iguaria.

Faixas:

  1. As corujas I (prenúncio)
  2. As Corujas II (para Mário Jorge)
  3. Valerie
  4. Senhorita Aflita
  5. Lá Se Vai Mais Uma Vida
  6. Fera Humana
  7. Troféu Nada Sou
  8. Circo De Focas
  9. Incensai

Formação:

Luno – Baixo, vocal e backing vocal
Gabriel Perninha – bateria;
Léo Airplane – piano, mellotron, sanfona, sintetizador, programações e backing vocal.