Como se o horizonte se abrisse num desafio sonoro que desdenha das limitações, como um deslumbrante vitral composto por pequenos ladrilhos musicais ou como um pandemônio de cores, poesias, tons, nuances e expressões que vão do riso ao pranto. “Homo Pacificus” é sobretudo, arte — na interpretação real da palavra e na compreensão absoluta da mesma.
Em sua elasticidade artística, “Homo Pacificus” é o primeiro passo na jornada solitária empreendida pelo baixista Luno Torres (ex-Plástico Lunar), que no álbum foi acompanhado pelos músicos Gabriel Perninha (The Baggios) e pelo multi-instrumentista Leo Airplane (que também cuidou da produção do mesmo).
Belo, fragmentado (embora sempre coeso), sensorial e multidirecional, o disco se abre num leque imenso de influências e possibilidades. Rock Progressivo, extratos psicodélicos, jazz, música regional, música indiana e até circense — de Beatles até Mutantes, de Zé Ramalho (e similares) até as pequenas joias floydianas extraídas da mente de Syd Barrett. Enfim, um disco que transita entre o burlesco, a sagacidade e a seriedade corrosiva dos tempos atuais. Talvez como um mosaico, um enigma musical ou um cubo mágico de sensações sonoras. Seja qual for a definição, ela será apenas ilustrativa frente a todas as concepções que o disco oferece e sim, é impossível ouvi-lo e nada sentir ou mesmo questionar.
Seja na aspereza ludibriosa de “Circo De Focas”; que se descortina em ares misteriosos e densos, mas no instante seguinte deságua num ritmo alegre. Nas linhas poéticas que nos guiam ao transe progressivo que é “Valerie”; no humor ácido exposto na tragicômica “Senhorita Aflita”: “o futuro é um salto de um prédio, se diverte alto com os remédios. Sua brincadeira é fingir ser feliz…” ou na pseudo festiva “Lá Se Vai Mais Uma Vida”; tema que se dilata num Prog-Jazz e guarda em seu recheio diversas reflexões sobre a morte, sobre o desejo por mudança e sobre a tão bem-vinda (nestes tempos) esperança.
Seria fácil destacar todas as faixas, pois “Homo Pacificus” é pleno de beleza em toda sua imensidão de ideias. De seus adornos até seu conteúdo. É arte. Arte em letras, sons, cores e sabores. Luno dá de ombros para os rótulos e suas validades, debocha dos artistas artificiais e mostra que ainda existem artesões musicais genuínos no Brasil, seres cientes e necessários, ainda que estejam em extinção. Um disco simplesmente único. Aos acomodados, um verdadeiro deboche para com seus rituais habituais, aos viciados em experiências sonoras e viagens ao mundo tendo nos ouvidos o teleporte, uma fina iguaria.
Faixas:
- As corujas I (prenúncio)
- As Corujas II (para Mário Jorge)
- Valerie
- Senhorita Aflita
- Lá Se Vai Mais Uma Vida
- Fera Humana
- Troféu Nada Sou
- Circo De Focas
- Incensai
Formação:
Luno – Baixo, vocal e backing vocal
Gabriel Perninha – bateria;
Léo Airplane – piano, mellotron, sanfona, sintetizador, programações e backing vocal.