Noctæra é uma artista francesa independente, nascida de uma inquietude pessoal, que mistura indie folk, instrumentação celta, apelo obscuro e atmosfera. Ela concebe seus próprios projetos do início ao fim — composição, produção, remasterização —, costurando com ferramentas digitais e até com uso de IA para alcançar texturas precisas, mas com alma. O que se sabe é que esse é um álbum que levou um ano para ficar pronto, passado em variações, refinamentos, noite após noite, o que já dá uma pista do quão meticulosa Noctæra e E. C. Monier são.
Sonoramente, “Legacy of Marble” habita o espaço liminar entre o etéreo e o pop. Há uma estética visual embutida no som — sons que soam barrocos e sensuais, onde cada ressonância importa. O folk/medieval aparece não só como ornamentação, mas como estrutura de modos, vozes ora sussurradas, ora potentes, ora suspensas em camadas, explorando o corpo do som, não só o conteúdo da letra. Ritmo: paciência, mudanças de dinâmica, contrastes entre o silêncio quase absoluto e explosões controladas.
Em “Trouble Ballade”, surge uma folk de batida forte, quase como um beat de rap. O tema em teclado de gaita é absurdamente criativo, tenso e sedutor, esta canção traz uma força para o disco. “Dors en Corps” constrói uma espécie de balanço lento, quase uma balada hipnótica; os Cellos sustentam a atmosfera vitoriana que envolve a faixa, é dramática e encorpada.
“Planning Sentimental” volta a tensionar mais: o baixo espaçoso, aliado a instrumentação clássica dos violinos, Cellos, etc., aliança-se a batidas quase industriais, se mostram eficazes ao criar a tensão – a voz da vocalista sensualiza e causa deleite no ouvinte, de forma quase imediata.
Em “Kept Me Bound”, repete a fórmula da faixa que abre este disco, sussurrante e sensual, com crescimento gradual. A faixa cria uma tensão do início ao fim, mas uma tensão com ar de vislumbre e descoberta. Aqui o rock fica mais evidente, uma pegada quase gótica e familiar. “Synaptic Rebellion” é provavelmente a faixa mais urgente e diferente do disco: começando com voz masculina e um apelo mais Heavy metal. “What the Flowers See” desacelera o passo sem perder peso, oferece uma faixa com cara de soulful electro-pop”, voz forte, crescendo, com efeito, quase de coral ou eco d’alma, antes da volta do peso.
Em “A Path in Your Wake” retoma o acústico leve e elegante — percussão marcando passos, guitarras de distorção leve e uma linearidade sonora, uma faixa boa, mas que se perde perante as outras. “Le Dernier Souper” sugere uma atmosfera mais singular — sons de cordas, uso de espaço acústico grande, reverbs, acordes menores que evocam tensão — inserida a modos mais sombrios e som pesado por detrás, e um solo de violão de aço que te puxa para mais fundo na música.
Finalmente, “Pas le Bruit du Vent” fecha deixando um sussurro, arranjos minimalistas, atmosfera silenciosa, envolta em eco, sedimentando a sensação de que o silêncio também é parte da música. Esta faixa me pôs a pensar sobre referências como Eithne Pádraigín Ní Bhraonáin, a Enya, inspirada na tradição celta, com arranjos complexos. Acredito muito que Monier tem muito de Enya em sua referência! E com certeza esta faixa isso fica claro.
É notório que “Legacy of Marble” se impõe como obra para quem gosta de mergulhar — som que pede atenção, que recompensa o ouvinte paciente. Se você curte artistas como Karatonia, Wardruna, Agalloch, ou mesmo partes mais atmosféricas de Deafheaven ou Alcest, este álbum é para você. Recomendo vivamente não apenas escutar, mas fechar os olhos algumas vezes, deixar flutuar, ouvir com fones que respeitem graves e agudos — porque é nos detalhes (o eco da voz, o decaimento de um acorde, a granulação do efeito digital) que Noctæra planta seus espelhos de mármore.