Resenhas

Nightfall

Apex4X

Avaliação

9.8

Em tempos em que a inteligência artificial já compõe discos inteiros, lançar um álbum sem um contexto forte por trás do uso da máquina pode ser visto como algo superficial. Mas Nightfall, do projeto Apex4X, não cai nessa armadilha. Pelo contrário. Por minhas pesquisas, por trás do disco está Bryan Garaventa, um desenvolvedor cego com mais de duas décadas de experiência, que promove acessibilidade como pilar central do seu trabalho. Saber que ele é o responsável por escrever e produzir este álbum muda o peso da obra. Mesmo que parte do processo envolve IA, há aqui uma motivação artística concreta, humana e necessária: tornar a produção criativa acessível a todos.

Apex4X, originalmente, não é um projeto musical. É, na verdade, uma ferramenta de desenvolvimento voltada para acessibilidade web, criada por Bryan Garaventa. O nome faz referência ao pacote de utilitários e APIs usados para facilitar o desenvolvimento de aplicações web acessíveis, especialmente com ARIA (Accessible Rich Internet Applications). O uso do nome Apex4X no álbum ‘Nightfall’ parece ser uma extensão conceitual dessa missão de acessibilidade — neste caso, aplicada ao universo artístico e musical.

A proposta de transformar poesias — algumas publicadas no site HackPoets.com, outras inéditas — em faixas musicais é, por si só, um gesto artístico. Mas o que surpreende é o quanto esse disco, mesmo vindo de um projeto que mistura automação com intenção humana, soa carregado de expressão. Confesso que, pessoalmente, sempre defendi que música e as artes em geral precisam de mão humana, de erro, de respiração. E talvez por isso mesmo Nightfall me pegou de jeito. Porque, apesar da minha resistência à ideia de discos feitos com apoio de IA, é impossível não reconhecer o valor e o impacto que este trabalho tem.

As faixas no geral são sombrias, cinematográficas e mergulham no estilo New Metal Sombrio dos anos 2000, com uma atmosfera gótica carregada. Não há concessões pop nem refrões grudados — o disco é mais sobre propósito e história por traz do que buscar hits. Em faixas como “Hollow King” e “The Winnowing”, os elementos e goticos se sobrepõem a riffs pesados, lembrando trilhas de filmes distópicos. “The Battle Won” carrega uma aura Disturbed em sua alma, com texturas que se desenvolvem aos poucos. Já High Justice apresenta camadas mais densas e sombria experimental. A faixa-título, “Nightfall”, tem estrutura de single, faixa que lembra a pegada sedutora e atrativa “Dark” típica dos anos 2000 que sugere solidão e tensão.

“Empty Shells” aposta na mesma fórmula, enquanto War desperta algo mais etéreo com vocais femininos e percussão profunda. “Ashes and Shadows”  tem arranjo mais crus e introspectivo, é com certeza a segunda melhor faixa do disco, pois tem uma familiaridade tremenda com trabalhos como o Breaking Benjamin e outras bandas de Heavy Rock 2000 preparando o terreno para “Beneath” a “Bloodstained”, que funciona como um encerramento melódico, um piano marcante e visceral, esta faixa carrega emoção, e esperança e vai te fazer se elevar!

“Dust to Dust” é uma espécie de dark noir beat: etérea, com vocais sussurrantes e sensuais, que criam uma ambientação misteriosa e quase hipnótica. Já “Descent” encerra o disco com peso e elegância. A faixa é lenta, reflexiva, com vocais masculinos graves e bem compassados. É o tipo de final que deixa um gosto de “quero mais”, reafirmando o caráter introspectivo e cinematográfico do álbum

O mais interessante de ‘Nightfall’ é o que ele representa. É um disco que nasce de uma necessidade real, com um propósito claro: tornar a arte possível mesmo para quem não tem acesso aos caminhos tradicionais de produção. Bryan Garaventa, sem dúvida, entrega aqui uma prova de que acessibilidade e expressão artística não apenas podem coexistir, como também devem. A produção é densa, a proposta é válida e, sim, o resultado emociona. Mesmo quem torce o nariz para criações auxiliadas por IA vai encontrar aqui algo que vale a escuta — e a reflexão.