Entrevistas

Endrah: “A gente realmente vive isso aqui, tanto a luta quanto a música extrema”

Endrah: “A gente realmente vive isso aqui, tanto a luta quanto a música extrema”

26 de maio de 2025


O ano de 2025 marca um novo início na carreira do Endrah. O grupo paulistano que veste a camisa da música agressiva hoje se encontra como um trio e vivencia dia a dia esta extremidade. Em meio a divulgação de seu novo disco, Bloodshed and Violence, lançado em fevereiro deste ano, Adriano Kardec (baixo e vocal) e César Coveiro (guitarra e vocal), conversaram com o Headbangers News sobre o novo álbum, carreira, história e MMA. Confira na íntegra nossa conversa com a dupla do Endrah.

 

HBN – Primeiramente, obrigado por terem separado um tempo para conversar conosco. Apesar de acompanhar o trabalho de todos, deixo um abraço especial ao Kardec, músico que sou fã desde a época do Trator BR. Gostaria de começar falando do novo lançamento do grupo, Bloodshed and Violence. Parabéns pelo álbum! Como foi o processo de composição, assumindo pela primeira vez em estúdio a formação como trio?

KARDEC – Salve Pedro! Primeiramente, muito obrigado pelo espaço e pela lembrança. Bons tempos de death metal! Respondendo à pergunta, a parte instrumental do álbum já estava toda pronta, só faltavam mesmo as letras e os vocais. Quando o Ryan (Ryan “Relentless” Raes, ex-vocalista) saiu, a gente teve que se virar em uns três meses pra resolver tudo como trio. Nesse tempo, reescrevemos todas as letras e refizemos os encaixes vocais do zero, adaptando a dinâmica da banda com uma nova configuração. O som já estava com uma carga absurda de peso e agressividade, então decidimos que as letras tinham que acompanhar isso. A gente mergulhou em temas pesados: casos reais de crimes violentos no Brasil, perfis de serial killers, tudo girando em torno da brutalidade humana. O clima das músicas foi ficando tão intenso que o nome Bloodshed and Violence veio como consequência natural, era a cara do que a gente tava criando.

 

HBN – Como surgiu a ideia de manter a banda como um trio? De onde veio a decisão de não arrumar um novo vocalista fora da banda?

COVERO – Chegamos a testar alguns vocalistas daqui, sim. O inglês atrapalhou um pouco em alguns casos, mas nem foi o maior problema. Sempre tinha algum detalhe que não encaixava como a gente queria. O som do Endrah tem muita variação de riff, mudanças de tempo, umas quebradas que não são tão diretas. Então pra quem chega de fora é difícil pegar o feeling logo de cara. Teve uma vez que um vocalista até mandou uma ideia em cima de uma música nova, mas a gente já tinha mudado umas partes. O Kardec pegou, refez essas alterações e gravou ele mesmo a música inteira só pra mostrar pro cara como estávamos imaginando. No fim, até o vocalista disse que o resultado ficou animal e que era ele quem devia cantar (risos). Aí troquei ideia com o Kardec e falei: “Mano, por que você mesmo não assume o vocal?”. Ele nunca tinha cantado, mas o resultado foi tão bom que surpreendeu todo mundo.

 

HBN – O Endrah já carrega mais de 20 anos de banda, uma marca importante para bandas do underground. A formação atual do grupo, em trio, carrega músicos cheios de experiência. Eu mesmo já tive oportunidade de ver o Kardec ao vivo com o poderoso Trator BR há anos atrás. Como toda essa experiência carregada por cada um se soma no grupo hoje em dia?

KARDEC – Sempre tive essa pegada mais voltada pro death metal, e minha passagem pelo Trator BR foi bem marcante nesse sentido. Me desliguei da banda em 2016, mas foi uma fase importante na minha formação. O Covero também sempre curtiu esse lado mais brutal, com aquele som de motosserra clássico do death, mas desde os primeiros anos do Endrah, lá nos anos 2000, ele foi absorvendo muito bem as influências de groove e hardcore, ainda mais com o Fernandão (Fernando Schaefer, ex-baterista) e o Billy (Billy Graziadei, ex-guitarrista, Biohazard) na formação. Já o Santin (Bruno Santin, baterista) sempre teve uma levada mais voltada pro hardcore misturado com death metal, trazendo muito groove e blast beats na medida certa. No som atual, dá pra sentir uma evolução clara comparado aos discos anteriores. Conseguimos explorar mais a variação nos vocais e trazer uma dinâmica diferente para as músicas. Antes isso era mais limitado, até porque o Ryan morava fora e não conseguia participar tão ativamente do processo de composição e gravação. Agora, com a banda mais próxima e envolvida em tudo, o resultado ficou bem mais coeso e intenso.

HBN – Pesquisando sobre vocês, descobri sobre um projeto que busca dar oportunidades a atletas praticarem MMA. Como surgiu a ideia deste projeto? Ele ainda está acontecendo?

KARDEC – A gente realmente vive isso aqui, tanto a luta quanto a música extrema. Não é só som ou treino, é estilo de vida mesmo, e isso sempre influenciou a forma como a gente compõe e se expressa. Esse projeto começou há cerca de seis anos, em Bauru, que é minha cidade natal. Na época, rolou um evento de MMA por lá, e participaram três lutadores que tinham vindo do Norte: um do Pará, um do Maranhão e outro do Amapá. Eles tinham juntado o pouco dinheiro que tinham e se mudaram pra São Paulo, acreditando numa promessa de um “empresário” que dizia ter vaga num CT famoso, com salário e moradia. Só que quando chegaram em SP, descobriram que era tudo mentira, o projeto nem existia mais. Sem ter pra onde ir, foram acolhidos por um pastor e passaram a viver de favor numa comunidade. Esses caras souberam do evento em Bauru e, mesmo sem grana, pediram dinheiro emprestado e vieram lutar. Só que, diferente do que pensavam, o pagamento não rola na hora, normalmente leva de 15 a 20 dias. Resultado: eles não tinham como voltar pra São Paulo. Meu mestre, João Emílio, da Chute Boxe Bauru, me contou da situação e a gente teve a ideia de criar um projeto pra ajudar esses atletas. Fizemos a proposta, mas de cara eles recusaram (risos). Depois de terem sido enganados, tudo soava bom demais pra ser verdade. Aí perguntei quanto tempo cada um estava longe de casa. O rapaz do Amapá me contou que fazia dois anos que tinha saído de lá, e que a filha dele havia nascido nesse tempo, ele ainda nem a conhecia. Na hora, pedi o RG dele e comprei uma passagem pra ele viajar no dia seguinte. Foi aí que eles viram que o projeto era sério e passaram a confiar.

Hoje, temos 12 atletas no projeto. Dois deles estão no UFC, um no PFL e outro no OKTAGON, um evento grande da República Checa. Estruturamos tudo com academia, preparador físico, nutricionista, fisioterapeuta, técnicos de diversas modalidades e uma casa onde eles moram. Hoje quem toca o projeto com excelência é o próprio João Emílio. Ele comanda tudo com seriedade, visão e dedicação absurda. Transformou o que começou como um resgate emergencial em uma estrutura profissional de alto nível, que realmente muda a vida dos atletas. A dedicação dele é o que mantém tudo de pé e em crescimento constante. No começo, os lutadores entravam nos eventos ao som do Endrah. Inclusive, já tocamos ao vivo em eventos transmitidos pelo Bandsports, em São Paulo e Curitiba. Mas quando os caras começaram a entrar no UFC, barraram nosso som por considerarem “muito violento” (risos). Hoje eles entram com músicas que curtem, tipo Barão da Pisadinha e outras (mais risos), mas seguem treinando forte, vestindo a camisa do Time Chute Boxe João Emílio / Endrah MMA Team.

 

HBN – Como vocês enxergam hoje em dia a maturidade atingida pela formação atual comparando com seus antigos álbuns?

KARDEC – Com esse novo material, a gente conseguiu alcançar um nível de conexão que não rolava nos trabalhos anteriores. Hoje, com todo mundo mais próximo — tanto fisicamente quanto na parte criativa — conseguimos desenvolver as músicas de forma muito mais integrada. Isso refletiu direto na sonoridade: os vocais estão mais trabalhados, mais versáteis, e a estrutura das músicas ganhou muito em dinâmica. Antes, quando o Ryan ainda estava na banda, existia uma certa distância — não só geográfica, mas também no processo de criação. Ele não conseguia participar tão ativamente das composições, então muita coisa era resolvida de forma remota, o que acabava limitando o potencial da banda como um todo. Agora, com a formação atual, o trampo é 100% coletivo. A gente se tranca no estúdio, testa ideias na hora, ajusta arranjo, muda riff, refaz letra, tudo em tempo real. Isso trouxe uma coesão que nunca tivemos antes. O som ficou mais agressivo, direto, mas ao mesmo tempo com mais nuances, mais espaços, mais dinâmica. É um disco com identidade forte, que representa o Endrah de hoje: afiado, entrosado e mais extremo do que nunca.

HBN – Quais são os planos para o futuro do grupo neste momento após alguns meses do novo disco?

KARDEC – A gente já lançou dois videoclipes desse novo álbum, “Madness” e “Hell’s Whispers”. Agora o próximo passo é trabalhar no clipe de “The Park Maniac Is Here”, que tem uma energia absurda ao vivo. A partir do dia 30 de agosto começamos a turnê e vamos cair na estrada com força. Estamos em negociação pro show de lançamento oficial em São Paulo, em uma casa clássica da cena, no dia 30 de agosto, junto com outras bandas de peso. Vai ser um evento marcante. Em breve vamos soltar mais novidades, então é ficar ligado que vem coisa insana por aí.

 

HBN – Gostaria de agradecer pelo tempo cedido para estas perguntas. Deixo aqui o espaço livre para uma mensagem para nossos leitores e seus fãs!

KARDEC – Pedro, valeu demais pelo espaço, pelo respeito à caminhada e por manter viva essa conexão entre quem faz e quem consome música extrema de verdade. A gente sabe como é difícil manter uma cena pulsando no underground, e iniciativas como o Headbangers News são fundamentais pra manter o sangue circulando. Vocês fazem parte da engrenagem tanto quanto as bandas. É sempre um prazer trocar ideia com quem vive isso de coração. Bloodshed and Violence não é só um título, é um reflexo de tudo o que carregamos até aqui. Nos vemos na estrada. A DESGRAÇA NÃO PARA! ÓDIO MAXIMO. Muito obrigado!