Shows

Best of Blues and Rock: A odisseia musical no coração de São Paulo continua

Best of Blues and Rock: A odisseia musical no coração de São Paulo continua

10 de junho de 2025


Crédito das fotos: Natalia Eidt/Headbangers News

Sob o céu cinzento de um domingo paulistano, o Parque Ibirapuera transformou-se em epicentro de uma celebração sonora que atravessou gerações e fronteiras musicais. O festival Best of Blues and Rock, realizado dia 08 de Junho, proporcionou ao público uma jornada através de diferentes paisagens da música contemporânea, reunindo quatro atrações que, cada uma à sua maneira, representam a potência e a diversidade do rock e do blues em suas múltiplas manifestações.

O festival abriu suas portas com Paula Lima prestando um tributo vibrante e emocionante à eterna rainha do rock brasileiro, Rita Lee. Mais que uma simples homenagem, a apresentação de Paula revelou-se uma reinvenção criativa do legado de Rita, trazendo sua própria assinatura vocal para clássicos atemporais.

Com seu timbre aveludado e potente, Paula trouxe novas cores a “Mania de Você”, transformando a balada romântica em uma experiência quase transcendental. A transição para o provocativo “Amor e Sexo” demonstrou sua versatilidade interpretativa, enquanto “Lança Perfume” ganhou contornos funk que fizeram o público dançar incontrolavelmente, mesmo sob a ameaça das primeiras gotas de chuva que começavam a cair.

O momento mais comovente veio com “Minha Vida”, onde Paula pareceu canalizar não apenas a voz, mas a própria essência irreverente e libertária de Rita. “Caso Sério” e “Desculpe o Auê” fecharam sua participação com a energia contagiante que é marca registrada tanto da homenageada quanto da intérprete.

Paula Lima não apenas cantou Rita Lee – ela estabeleceu um diálogo entre gerações, demonstrando como o legado da rainha do rock brasileiro permanece vivo e pulsante, capaz de ser constantemente reinterpretado sem perder sua essência revolucionária.

A transição entre atrações trouxe ao palco o Barão Vermelho, agora liderado pelo carismático Rodrigo Suricato. A formação atual – completada por Mauricio Barros, Guto Goffi, Fernando Magalhães, com participações especiais de Marcio Alencar no baixo e Cesinha na percussão – enfrentava o desafio de honrar um legado monumental enquanto afirmava sua própria identidade.

Desafio superado com louvor. Desde os primeiros acordes de “Por Você”, ficou claro que esta não era uma banda vivendo de glórias passadas, mas um organismo musical vivo e pulsante. Suricato, sem tentar imitar seus antecessores, trouxe sua própria personalidade para clássicos como “Bete Balanço” e “Pro Dia Nascer Feliz”, que foram recebidos com coros ensurdecedores pela plateia já completamente entregue.

O momento mais emocionante veio com “Codinome Beija-Flor”, apresentada como uma homenagem explícita a Cazuza. A interpretação visceral de Suricato, combinada com os arranjos contemporâneos que respeitavam a essência da composição original, criou um portal temporal que conectou passado e presente do rock brasileiro.

O bloco final, com “Meus Bons Amigos”, “O Tempo Não Pára” e “Pense e Dance”, demonstrou a capacidade da banda de transitar entre diferentes fases de sua carreira, mantendo a coesão artística e a relevância contemporânea. O Barão Vermelho provou, mais uma vez, que grandes canções transcendem formações e épocas, permanecendo como patrimônio cultural coletivo.

A chegada de Richard Ashcroft ao palco provocou uma mudança palpável na atmosfera do festival. Usando óculos escuros e, surpreendentemente, uma camisa da seleção brasileira, o ex-vocalista do The Verve trouxe consigo aquela aura mística que o consagrou como uma das figuras mais enigmáticas do rock britânico.

Ashcroft abriu sua apresentação com “Weeping Willow”, criando imediatamente uma conexão quase hipnótica com o público. Sua voz, preservada de forma impressionante, preencheu o Ibirapuera com aquela melancolia característica que marcou a era de ouro do britpop. A transição para “Music Is Power” e “Lover” mostrou sua faceta mais enérgica, com Ashcroft movimentando-se pelo palco como o flâneur urbano que imortalizou no videoclipe de “Bitter Sweet Symphony”.

O bloco central do show, dominado por clássicos do The Verve como “Sonnet” e a comovente “The Drugs Don’t Work”, transformou o festival em uma espécie de ritual coletivo. Ashcroft, como o xamã que sempre foi, conduziu a audiência através de estados emocionais diversos, da introspecção melancólica à euforia catártica.

O encerramento com “Lucky Man” e, inevitavelmente, “Bitter Sweet Symphony”, representou o ápice de sua apresentação. A chuva, que já caía com mais intensidade, pareceu apenas intensificar a experiência quase religiosa que se estabeleceu entre o artista e seus devotos. Ashcroft deixou o palco como havia chegado: como uma figura mítica cuja música transcende o mero entretenimento para se tornar um veículo de transcendência coletiva.

A noite já havia entregue experiências musicais memoráveis, mas o melhor estava por vir. A Dave Matthews Band, headliner do festival, subiu ao palco para uma maratona musical de três horas que desafiou as condições climáticas cada vez mais adversas. A chuva, que se intensificava, pareceu apenas fortalecer a conexão entre a banda e o público que permanecia inabalável.

Dave Matthews, acompanhado por sua formidável trupe de virtuoses – Tim Reynolds, Carter Beauford, Jeff Coffin, Buddy Strong e Stefan Lessard – abriu com “Warehouse”, estabelecendo imediatamente o tom da apresentação: improvisação de alto nível, interação musical complexa e uma energia contagiante que parecia aquecer a noite fria.

A sequência com “Dancing Nancies” e “The Best of What’s Around” demonstrou a capacidade única da banda de criar momentos de introspecção e expansão dentro de uma mesma composição. O baterista Carter Beauford, em particular, ofereceu uma aula magistral de técnica e sensibilidade, criando paisagens rítmicas que serviam de fundação para os voos melódicos de Reynolds e Coffin.

Um dos pontos altos da noite veio com “Lie in Our Graves”, que incluiu uma interpolação surpreendente de “Wonderful Tonight” de Eric Clapton, demonstrando a versatilidade e o conhecimento enciclopédico musical da banda. A sequência “Pantala Naga Pampa/Rapunzel” elevou ainda mais a temperatura, com o público cantando cada verso como se fossem hinos nacionais.

A participação especial do gaitista brasileiro Gabriel Grossi em “#41” criou um momento de fusão cultural que representou perfeitamente o espírito do festival – a música como linguagem universal capaz de transcender fronteiras geográficas e estilísticas.

O bloco final, com “Crush”, “Grey Street” e uma versão monumental de “All Along the Watchtower” (com interpolações de “Stairway to Heaven”), transformou a chuva persistente em elemento cênico que apenas intensificava a experiência catártica. Matthews, com seu carisma peculiar e sua conexão genuína com o público, transformou adversidades climáticas em parte integrante do espetáculo.

O encore trouxe um momento de rara intimidade com Matthews interpretando sozinho “Just Breathe” (cover de Pearl Jam), antes da explosão final com “Two Step”, que encerrou a noite em um clímax de virtuosismo instrumental e comunhão coletiva.

O Best of Blues and Rock conseguiu algo raro no circuito de festivais contemporâneos: criar uma narrativa coerente através de atrações diversas. Da celebração do legado nacional com Paula Lima e Barão Vermelho à conexão com o cenário internacional através de Ashcroft e Dave Matthews Band, o evento ofereceu uma experiência musical completa que honrou tanto nossas raízes quanto nossa conexão com o panorama global.

A chuva, que poderia ter sido um elemento desagregador, acabou funcionando como catalisador de uma experiência coletiva ainda mais intensa. Ver milhares de pessoas cantando “Bitter Sweet Symphony” ou dançando ao som de “Two Step” enquanto a água caía implacavelmente criou imagens que permanecerão na memória cultural da cidade.

O Parque Ibirapuera, com sua arquitetura modernista e seus espaços amplos, provou-se mais uma vez o cenário ideal para celebrações culturais de grande porte, oferecendo não apenas infraestrutura adequada, mas também o simbolismo de um espaço que representa a própria identidade paulistana – cosmopolita, diversa e resiliente.

O Best of Blues and Rock transcendeu o conceito de festival musical para se tornar uma celebração da música como força unificadora, capaz de criar pontes entre gerações, estilos e culturas. Em tempos de fragmentação e isolamento, experiências como esta reafirmam o poder da arte como elemento aglutinador e transformador da experiência humana.

Que venham as próximas edições, com a certeza de que São Paulo continua sendo não apenas um ponto de passagem obrigatório para grandes artistas internacionais, mas também um centro de produção e celebração musical à altura das grandes metrópoles culturais do mundo.

RICHARD ASHCROFT SETLIST

Weeping Willow (The Verve song)

Music Is Power

Lover

Sonnet (The Verve song)

Break the Night With Colour

The Drugs Don’t Work (The Verve song)

Lucky Man (The Verve song)

Bitter Sweet Symphony (The Verve song)

DAVE MATTHEWS BAND SETLIST

Warehouse

Dancing Nancies

The Best of What’s Around

Why I Am

Lie in Our Graves

(with “Wonderful Tonight” interpolation)

Pantala Naga Pampa

Pig

Rapunzel

Lover Lay Down

The Idea of You

#41 (with Gabriel Grossi)

Say Goodbye

The Space Between

Madman’s Eyes

Crush

Grey Street

All Along the Watchtower

(Bob Dylan cover) (with “Stairway to Heaven” interpolation)

Encore:

Just Breathe

(Pearl Jam cover) (Dave Solo)

Two Step

Galeria do show