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Memory Remains: Sepultura – 26 anos de “Roots” e o Heavy Metal se unindo às raízes brasileiras

Memory Remains: Sepultura – 26 anos de “Roots” e o Heavy Metal se unindo às raízes brasileiras

20 de fevereiro de 2022


“O estúdio do Foo Fighters é um lugar e tanto (…) A primeira coisa que fizemos foi instalar alto-falantes gigantescos na sala de controle (…) Eram os melhores do mundo. Eu não via a hora de ligá-los na tomada e escutar o ‘Roots’, do Sepultura. Assim que coloquei o disco para tocar com o volume no talo, ele explodiu as caixas de imediato. Alto-falantes de cinquenta mil dólares arruinados por causa de Roots“.

As palavras acima fazem parte de um trecho do prefácio escrito por Dave Grohl, para a autobiografia de Max Cavalera, “My Bloody Roots“, no qual o líder do Foo Fighters conta a sua devoção pela banda brasileira e de como o aniversariante de hoje lhe deu um prejuízo imenso, só por querer escutá-lo no volume máximo. E esse álbum, que completa 26 anos é tema do nosso Memory Remains deste domingo.

Em 1996, o Heavy Metal andava mal das pernas. O Metallica havia virado uma banda de Hard Rock. O Iron Maiden apesar de ter lançado um bom álbum, passava por mais bocados com a reação favorável dos fãs para com Blaze Bayley. Outras bandas tinham crise de identidade e o Sepultura e o Pantera carregavam a bandeira do Metal e eram as grandes bandas do estilo naquele momento. O quarteto brasileiro vinha de um grande disco, “Chaos A.D.“, que já continha um esboço do que viríamos a testemunhar aqui em “Roots“, mas essa brasilidade veio de muito antes: em “Altered State“, do álbum “Arise“, havia algo neste sentido, com algumas batidas tribais. Ou seja, há pelo menos cinco anos antes, os “jungle boys” já davam indícios de que a brasilidade se juntaria ao peso do Heavy Metal a qualquer momento.

É um disco um tanto quanto controverso: amado por muitos, odiado por outros tantos, mas todos concordam que “Roots” foi o disco que realmente transformou o Sepultura em uma banda gigante. Ainda que por um breve momento, já que após a saída de Max Cavalera, a banda perdeu muito de sua relevância no cenário internacional. Por fazer diferente em uma época que o Metal andava por baixo e sob forte campanha, inclusive da MTV, que decretava a morte do estilo. Hoje vemos que tal afirmação era leviana e mentirosa, pois o Metal segue vivo.

Como afirmado acima, o Sepultura já havia feito diferente em “Chaos A.D.”, o antecessor do homenageado do dia. Se este já havia dividido opiniões por parte dos que gostariam de ver a banda repetir a já velha fórmula usada nos primeiros álbuns, Max Cavalera e sua trupe resolveram criar um modo único de tocar Heavy Metal. E com toda a brasilidade. Eles foram além do que já tinham feito e mostraram ao mundo um pouco da nossa história, das nossas raízes e uma homenagem bem justa aos donos desta terra, por mais que o headbanger bolsominion dê ataque ao ler essa verdade.

Max Cavalera tinha planos mais ambiciosos. E na já citada autobiografia “My Bloody Roots“, ele conta que após ter assistido a um filme chamado “Brincando nos Campos do Senhor“, ele teve a ideia de procurar uma tribo indígena e colocar tudo isso em prática. O frontman ainda conta no livro que sua esposa, à época, também empresária da banda, Glória Cavalera, quase surtou quando este lhe contou seus planos. Aspas para a senhora Cavalera:

“Vocês não são o Michael Jackson, não tem orçamento ilimitado”.

Mas ele de forma inteligente retrucou dizendo que nenhuma banda havia tentado este feito. E era a chance de o Sepultura, novamente, fazer história. Então Max teve uma ideia ainda mais louca: queria gravar com os índios Caiapós, porém, a pessoa que fez essa ponte entre a banda e a tribo, Angela Pappiani, indicou outra tribo, os Xavantes, que eram mais “amigáveis” com o homem branco. E assim foi feito.

Outro desafio foi convencer os empresários da “Roadrunner” a bancar esta ideia, que parecia louca. “Isso é um produto para cometer suicídio”, disse Monte Conner (à época, um dos executivos da gravadora) a Max, que gostou tanto da frase que usou no nome do álbum ao vivo de seu projeto com Alex Newport, o Nailbomb (“Proud to Commercial Suicide”). Desconfiados de que a banda pudesse sair da floresta com uma compilação de reggae, os executivos foram convencidos. E não se arrependeriam disso.

O próximo passo, foi encontrar um percussionista, pois a ideia não era somente incluir os indígenas na gravação do novo disco, e sim, como relembra Max, chegar às raízes da música brasileira. Carlinhos Brown aceitou o convite para participar com as percussões brasileiras e todos entraram no “Indigo Ranch“, em Malibu, com Ross Robinson responsável pela produção. Aqui, temos além dessa brasilidade misturada ao Heavy Metal, guitarras afinadas em si, dando um peso absurdo ao som. Vamos destrinchar uma a uma, as dezesseis faixas dessa belezura de play.

O disco abre com a clássica “Roots Bloody Roots“, em que Max Cavalera disse que se inspirou em duas canções famosas para dar o título: “Sabbath Bloody Sabbath“, do Black Sabbath e “Sunday Bloody Sunday“, do U2. A versão do Sepultura é bem mais empolgante (sem desmerecer a clássica canção dos pais do Heavy Metal) e as batidas tribais e primitivas de Iggor Cavalera, juntamente com os riffs da dupla Max e Andreas Kisser já colocam o disco nas alturas. É uma das poucas canções daquela época que ainda é tocada pela formação atual.

Attitude” começa despretensiosa com um berimbau mal tocado por Max, mas seus riffs são animais, fazendo a música ficar pesada e densa como poucas vezes na carreira da banda. Uma das melhores composições da banda em todos os tempos. “Cut-Throat” é bem raivosa, pesada, crua, em que o entrosamento do trio que foi por anos a espinha dorsal da banda se faz latente.

Ratamahatta” traz a participação de Carlinhos Brown nos vocais e é cantada praticamente em português. Apesar de esta música ter uma força impressionante, não me agrada muito. Mas preciso reconhecer a energia que ela passa, principalmente ao vivo. “Breed Apart” nos dá a impressão pela sua intro de que estamos tocando um disco do Olodum ao invés de um disco de Metal, pelas batidas, mas logo elas dão lugar ao groove comandado por Iggor em sua bateria. O cara estava realmente em sua melhor forma nesta época e aqui temos uma bela performance dele. Destaque para o refrão, repetitivo e grudento.

Straighthate” é bem raivosa e traz uma tentativa de Paulo Xisto em tocar seu baixo, sem muito sucesso,[e bem verdade, mas não chega a tirar o brilho da música. “Spit” é uma música bem enérgica. Lembro que na época do lançamento, em entrevista para a “Rock Brigade“, Max disse que nesta música, eles queriam soar como o GBH. E conseguiram. É a única das músicas que não conta com as batucadas, apenas algumas batidas no final lembram a brasilidade musical.

Lookaway” é uma música chata de doer. Desnecessária, pedante, interminável. Com as participações de Johnatan Davis, do Korn, Mike Patton (Faith no More) e DJ Lethal (Limp Bizkit). É uma faixa que eu pulo quando estou ouvindo essa bolacha. “Dusted” chega e traz uma energia fantástica com seu groove. E a crueza dessa música a transforma ainda mais interessante. “Born Stubborn” talvez seja a música que mais se aproxima do Thrash Metal em que a banda um dia foi no passado. E confesso que quando eu a escutei pela primeira vez, foi uma das que mais me impressionaram. E ainda me impressiona até hoje.

Uma pausa para desplugar as guitarras e conferir um breve solo de Andreas Kisser em sua viola em “Jasco” e também os índios Xavantes cantando em “Ítsari“. Nesta faixa você vê a essência do nosso país, os caras conseguiram traduzir de fato, as nossas raízes, os verdadeiros donos destas terras tupiniquins e que infelizmente, ao longo dos anos foi praticamente dizimada e que não é nem um pouco respeitada pelo atual presidente, que inclusive, fala a toda hora um monte de asneiras sobre os indígenas, desde a época que era candidato, e o mais grave, essas falas absurdas foram legitimadas por 57 milhões de pessoas .

Ambush” é bem grooveada, com passagens bastantes interessantes e Max Cavalera clamando pela Amazônia, a música foi composta em 1995, mas em 2022 ainda soa bem atual, pois temos um dublê de presidente e uma equipe de ministros nada preocupados com as questões da nossa fauna, flora, além do aquecimento global, enquanto muitos batem palmas para estes loucos. Para estes, Max dá seu recado na letra. Uma breve pausa na música desnecessária para as batucadas e logo a pancadaria retorna com mais intensidade.

Endangered Species” tem uma pegada mais arrastada, com muito peso e viradas nada menos do que sensacionais de Iggor e a letra retrata a preocupação de Max com o mundo violento, onde ele se pergunta no refrão se estaremos vivos no dia de amanhã.

Dictatorshit” encerra com chave de ouro, ao menos na versão gringa, esta bolachinha. Uma pancada violenta nos nossos ouvidos, rápida, ríspida, crua. E a letra, lembra dos inúmeros torturados e mortos (grande parte deles, as famílias sequer tiveram acesso aos corpos para fazer um funeral decente) no período mais decadente da história do Brasil enquanto República: a Ditadura Militar, que muitos acéfalos ainda hoje insistem em dizer que não ocorreu e ainda defendem as atrocidades cometidas, principalmente por um tal de Coronel Brilhante Ustra, um sádico que sentia prazer em aniquilar os que se opuseram ao regime que praticamente afundou o Brasil durante 20 anos.

O título do disco, traduzido, se chama Raízes e os caras souberam trazer estas raízes e explicar ao mundo que o Brasil não é só composto por bundas nas praias, passistas nas escolas de samba e futebol (aliás, este último ponto deixou de existir após o vexatório 7 a 1, na semifinal da Copa de 2014). Na questão política, o 7 a 1 se repete dia após dia, com tanta idiotice praticada por aquele ser que ocupa o cargo de Presidente, que culminou com uma inútil visita à uma Rússia na iminência de um conflito armado com a Ucrânia.

Como o redator aqui que vos escreve tem a versão brasileira, a bolacha segue a rolar com dois covers: e na época de Max, a banda sabia como poucos essa arte de tocar a música alheia e melhorando as versões. Foi assim com “Procreation (of the Wicked)”, do Celtic Frost, que virou um Doom pesadíssimo e com “Symphton of the Universe“, do Black Sabbath, música que já havia sido gravada antes para o tributo à banda de Toni Iommi, o “Nativity in Black” (1994), aliás, versão essa que ficou animalesca demais, fechando com chave de ouro esse disco, que é pouco compreendido pelos fãs mais radicais da banda.

É um disco pesado, denso… Moderno demais? Para a época, sim. Tem a polêmica sobre a banda ter se inspirado no Korn, que gravou seu disco de estreia um pouco antes, mas o fato é que a banda se tornou gigante, fez turnê por todo o mundo, incluindo festivais como o “Ozzfest“, “Dynamo Open Air“. Poderia se tornar o novo Metallica, sem nenhum exagero, não fosse a treta com a demissão da empresária Glória Cavalera, que fez o seu marido Max abandonar a banda, no final de 1996.

Recentemente os irmãos Max e Iggor se juntaram e fizeram uma tour tocando o “Roots” na íntegra. Quando passaram pelo Rio de Janeiro eu não pude assistir, mas em 2017, eu pude assistir a apresentação via streaming, no lendário “Wacken Open Air“. Se eles já não tem o mesmo vigor de 24 anos atrás, ao menos ali pudemos perceber os verdadeiros compositores criadores e do Sepultura, tocando as músicas da banda que eles criaram e ajudaram a se tornar o maior expoente brasileiro no Heavy Metal.

A capa deste disco é simplesmente fantástica, reproduzindo uma antiga nota de mil cruzeiros, em que dois índios ilustram a cédula. A banda utilizou a imagem de um dos índios e ficou sensacional. Para os mais novos que só pegaram o Real como moeda, abaixo a imagem que inspirou a “louca” ideia de Max Cavalera.

Minha relação com este disco é de muito amor, pois foi o segundo disco do Sepultura que eu escutei, e fui um dos afortunados que acompanharam uma das últimas apresentações da formação clássica, exatamente em 08/11/1996. Foi um show e tanto, para lavar a alma. Se entrei lá fã da banda, saí de lá um devoto. Hoje eu não curto o som que eles fazem, apesar de reconhecer que eles têm feito um trabalho bem feito e honesto, mas eu penso que aquela magia com os irmãos Cavalera fazia toda a diferença. Sim, o leitor pode me chamar de viúva dos Cavalera, eu carrego este adjetivo sem problema nenhum. É duro testemunhar a formação atual dando pouca atenção para as músicas antigas. Na apresentação da semana passada, que marcou o retorno da banda aos palcos, no Rio de Janeiro,  apenas “Roots Bloody Roots” e “Ratamahatta” foram executadas. Você pode ler a nossa resenha, clicando AQUI.

E por isso hoje, escrevo com muito orgulho sobre este disco que fez o Sepultura, como sempre fez na década de 1990, romper barreiras, que completa mais um aniversário. Não é qualquer aniversário, são 26 anos de um disco que rompeu barreiras e mostrou que o Brasil é mais que capaz de apenas copiar os riffs rápidos que foram criados no exterior. Pode sim, incluir batidas que só existem em nossas terras, deixando o Metal com uma sonoridade única. E como muitos clássicos, ele envelhece muito bem. Longa vida ao “Roots”.

Roots – Sepultura

Data de lançamento: 20/02/1996

Gravadora: Roadrunner

Faixas:

01 – Roots Bloody Roots
02 – Attitude
03 – Cut-Throat
04 – Rattamahatta
05 – Breed Appart
06 – Straighthate
07 – Spit
08 – Lookaway
09 – Dusted
10 – Born Stubborn
11 – Jasco
12 – Ítsari
13 – Endangered Species
14 – Dictatorshit
15 – Procreation (Of the Wicked) (Bônus Track)
16 – Sympthon of the Universe (Bônus Track)

Formação:

Max Cavalrea – Vocal/Guitarra
Iggor Cavalera – Bateria
Andreas Kisser – Guitarra
Paulo Junior – Baixo

Participações Especiais:

Carlinhos Brown – Vocal/Percussão/Berimbau/
Johnatan Davis – Vocal (Lookaway)
Mike Patton – Vocal (Lookaway)
Dj Lethal – Toca-discos (Lookaway)
Ross Robinson – Percussão (Rattamahatta)
Tribo Xavantes – Canto (Born Stubborn e Ítsari) e Percussão (Ítsari)