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Sepultura e Dorsal Atlântica: apresentação histórica do Rio de Janeiro

Sepultura e Dorsal Atlântica: apresentação histórica do Rio de Janeiro

15 de fevereiro de 2022


Carlos Lopes, do Dorsal Atlântica, durante a apresentação no Circo Voador no RJ

Flávio Farias

Carlos Lopes, do Dorsal Atlântica, durante a apresentação no Circo Voador no RJ

Um sábado histórico para a cena metálica carioca. O sol até chegou a aparecer durante o dia, mas na hora do show do Sepultura com abertura da Dorsal Atlântica quem apareceu mesmo foi a chuva, que fez com que a noite de verão no Rio de Janeiro fosse tão agradável quanto uma noite de outono. Assim foi o dia 12 de fevereiro, que ficou marcado pelo primeiro grande show na cidade Maravilhosa depois dessa pandemia interminável.

Não era somente o primeiro show na antiga capital federal, era também o primeiro show da Dorsal Atlântica depois de 24 anos, pois Carlos Lopes estava apenas gravando discos sem sair em turnê. E era também o primeiro show do Sepultura após o lançamento do disco Quadra, cuja turnê foi cancelada por conta da pandemia. O Circo Voador é também um local especial para Andreas Kisser, pois foi ali a sua estreia nos palcos com o Sepultura, na turnê do álbum Schizophrenia.
Os cariocas sabiam destes fatores e foram em massa testemunhar tal acontecimento.

Com o vocalista da Gangrena Gasosa, Angelo Arede responsável pela discotecagem, a certeza foi de boa música nos PAs enquanto não havia banda no palco: rolou de Slayer a Suicidal Tendencies, passando por Ratos de Porão, Cannibal Corpse, Carcass e Asesino. Na entrada, só quem tomou vacina poderia acessar o local, portanto, os negacionistas foram barrados do baile.

Exatamente às 21 horas, a Dorsal Atlântica adentrou ao palco, trazendo Carlos, outrora “Vândalo” Lopes, empunhando a sua guitarra baiana, mega simpático, brincando com a platéia e logo o bicho pega com os primeiros acordes de Imperium. Aqui ele já ganhou o público, que gritava Dorsal! Dorsal! após o encerramento da faixa de abertura. O moshpit já rolava solto, ainda que timidamente e o som estava perfeitamente audível. Em Stalingrado, o público aproveitou para mandar Bolsonaro para um lugar bem especial, o que me causou uma enorme surpresa. Então Carlos aproveitou para fazer o papel devido de um militante da esquerda, com um discurso inflamado, o que provocou reação favorável ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, que é favoritaço nas próximas eleições.

Em um de seus inúmeros discursos entre uma música e outra, Carlos Lopes afirmou que o trabalho mais recente, Pandemia, é o melhor disco já feito pela Dorsal após os anos 1980. Dentre suas peripécias no palco, destacamos o momento em que ele tirou as calças e mostrou suas nádegas por alguns segundos, em uma cena hilária.

A Dorsal Atlântica tocou por aproximadamente 1:30h e o setlist foi dedicado aos trabalhos mais recentes da banda, em uma apresentação honesta, com uma cozinha bem entrosada e o trio destilando seu crossover mais puxado para o Punk. O final foi dedicado a alguns clássicos como Caçador da Noite, Tortura, Vitória, Vorkuta, Metal Desunido e Guerrilha, que teve a letra alterada por Carlos, puxando para nosso período sombrio. Quem esperava músicas como Josef Menguele, Dor, Take Time, Álcool, ou Morte aos Falsos, ficou na vontade. Bela performance, tanto na parte musical quanto na parte política, pois seu discurso final direcionado ao combate ao fascismo foi simplesmente arrebatador. Me arrepiei e tive a certeza de que o metaleiro brasileiro ainda tem salvação.

Andreas Kisser, do Sepultura, em show no Circo Voador

Flávio Farias

Andreas Kisser, do Sepultura, em show no Circo Voador

Enquanto os roadies faziam os últimos ajustes, os fãs do Sepultura já se acotovelavam a beira do palco, já buscando uma melhor posição para ver a banda de Andreas Kisser e Cia, que subiu ao palco às 23:10 já com o público nas mãos e um imenso moshpit se abriu logo com Isolation, que ao vivo fica mais irada com seus riffs. Territory foi emendada na sequência, cantada em uníssono pelos presentes, mas aí começam os problemas da atual formação: uma segunda guitarra é mais que necessária. Não bastam apenas o peso absurdo que Andreas Kisser coloca em seu instrumento e Eloy Casagrande com sua técnica invejável, a banda parece fazer cover de si própria, embora ao vivo o alemão bote um peso digno do nome que ele tem na cena.

Como era o primeiro show depois do lançamento de Quadra, natural que as músicas deste álbum estejam no setlist e a maioria não funciona bem, tanto que a platéia ficou mais observando e só se manifestou quando os primeiros acordes de Kairos foram tocados. Essa música é realmente uma das melhores da fase Derrick Green, que aliás, se apresentou com uma proteção na perna, pois foi atropelado nos Estados Unidos pouco antes deste show, mas o cara deu show de profissionalismo e subiu ao palco como se nada tivesse lhe acontecido.

Em Choke, o peso era tão animalesco que fazia o Six Feet Under soar como Xuxa Só Para Baixinhos. E depois de alguns temas chatos, por quê não tocar os clássicos? Eles tiveram uma sacada genial e tocaram Slaves of Pain pela primeira vez depois que Derrick Green entrou na banda. Abriu se um mosh tão gigantesco que até quem não queria entrar, acabava entrando. Outra surpresa agradável foi a inclusão de Infected Voice, apresentada por Derrick Green como um lado B do Arise. Mas novamente essa música ficou capenga no solo pois não se tem um baixista capaz de segurar a onda. Andreas tocou essa música com afinação baixa, o que deu a ela um peso e uma brutalidade ainda maior.

Na parte final do primeiro set, o público começou a cantar, mandando o presidente tomar naquele lugar e a banda entrou no ritmo e tocou na mesma melodia. Então eles emendaram com Refuse/ Resist e a casa veio abaixo. Arise veio na sequência para encerrar o set e até mesmo este redator acabou entrando no mosh. Eles voltaram para tocar Ratamahatta e Roots Bloody Roots no bis e com esse final, fizeram o show valer a pena, ainda que a apresentação deste sábado esteja longe de ser tão matadora quanto a dos tempos dos Cavaleras.

Uma noite mágica no Circo Voador, onde a Dorsal Atlântica fez um show mais intimista, dando uma aula de história em forma de música, o Sepultura foi mais cirúrgico, ainda que só tenha levantado a galera de verdade quando tocou as músicas antigas e com apenas dois dos integrantes carregando a banda nas costas: Andreas e Eloy são os grandes destaques. Derrick Green ainda que seja um sujeito boa praça, não combina com a banda e Paulo Xisto parece mais um dos figurantes do filme O Show de Truman. Ele não acrescenta em nada musicalmente e todas as suas inserções são pífias. Mas a noite valeu muito a pena e entrou para a história do Heavy Metal fluminense. Que venham mais shows como este.

Setlist Dorsal Atlântica:

Imperium
Stalingrado
Meu Filho me Vingará
Belo Monte
A Invasão do Brasil
Corrupto Corruptor
Gravata Vermelha
Pandemia
Burro
Combaterei
Gorilaz (No Passaram)
Resistência (Não Resiste)
Tortura
Vitória
Vorkuta
Caçador da Noite
Metal Desunido
Guerrilha

Setlist Sepultura:
Isolation
Territory
Capital Enslavement
Means to an End
Last Time
Kairos
Sworn Oath
Choke
Slaves of Pain
Guardians of Earth
The Pentagrama
Machine Messiah
Phantom Self
Convicted in Life
Infected Voice
Agony of Defeat
Refuse/ Resist
Arise

Encore:
Ratamahatta
Roots Bloody Roots

Circo Voador

Data: 12/02/22

Horário: 19h

R. dos Arcos, s/n - Jardim Iracema