Imagine uma jam session entre o Cream, o Love e o Procol Harum, com o espírito de Ananda Shankar pairando no ar e a energia de um templo psicodélico dos anos 60 transbordando pelas caixas de som. É nesse transe que Coolonaut nos arremessa com Dark Energy, seu segundo disco de estúdio — um mergulho ácido e sofisticado, com ares de protesto e viagens sonoras que parecem ter escapado de um vinil guardado num porão na Inglaterra desde 1968.
Coolonaut, projeto que surge de um cérebro inquieto com raízes na poeira do deserto australiano — como já nos foi apresentado no primeiro disco Tales From the Black Stump — agora troca a paisagem árida pela escuridão cósmica de um mundo colapsado. Dark Energy não é só um nome: é um manifesto vibracional, uma descarga elétrica de fuzz, órgão Hammond e guitarras saturadas. A estética aqui é clara, ou melhor, deliberadamente nebulosa: trata-se de um tributo à psicodelia mais pura e orgânica, com acidez rockeira, tempero oriental e grooves hipnóticos. Estamos falando da escola Jefferson Airplane, Traffic, Spirit, mas com ousadia suficiente para não soar datado e sim nostálgico.
A jornada começa com “Stick to the Script”, uma marcha cerimonial conduzida por um órgão de igreja que emula o drama barroco do Procol Harum, enquanto a pandeirola (essa heroína esquecida da percussão) marca o compasso de uma missa pagã. Em seguida, “Babes In Arms” nos empurra direto para a garagem com paredes de lava líquida do Cream: a guitarra soa como se tivesse sido gravada em uma bolha de ácido, com riffs encorpados e bateria que flutua entre o groove e o improviso.
“Hey Doc” chega suave — parece que o Animals foi sugado para um buraco de minhoca e reapareceu em 2025 com o seu church organ e todo seu aparatos analógicos. Já “Child of the Crescent Moon” é a canção mais etérea do disco, ela lembra a proposta temática do Captain Beyound, um proto-hard rock com tema espacial, mas que na realidade carrega um protesto forte sobre a esperança na nova geração: as camadas se sobrepõem como véus coloridos, com linhas melódicas sinuosas que orbitam ao redor de uma percussão típica dos anos 60, quase ritualística.
A faixa-título, “Dark Energy”, é o coração pulsante do disco. Um mantra elétrico, repleto de atmosfera setentista, delays e reverbs e um ritmo quase gospel. É uma parede sonora que oprime e liberta, como se estivéssemos ouvindo qualquer banda Rock Francesa dos anos 60. “Innocent Until” traz de volta uma levada mais crua, quase garageira, com um baixo rasgado que te prende pelo estômago e um solo de guitarra tão sujo quanto charmoso.
“Serotonin Man” continua a vibe. Bateria cadenciada, groove cávado e teclados que vibram como uma aura colorida em volta da faixa, aqui o disco já se torna “repetitivo” mas a mensagem fica mais interessante, afinal “Homem Serotonina” é algo intrigante… o homem responsável pela satisfação bem-estar… quem é esse cara?
“The Other Side of Her Mind” é, de longe, o delírio mais potente: a influência de Indiana de Ananda Shankar e Beatles é gritante — sitares disfarçados em teclas, raga flertando com psicodelia ocidental, tudo muito bem dosado, numa levitação transcendental de timbres e texturas. É como se picotássemos “Stronberry Field Forever” e “Jumpin Jack Flash”
“Millionaire” traz o Rock n roll de volta, a energia e o êxtase tomam de conta em uma explosão sonora que deságua em “Killer In A Suit”, que fecha a odisséia com um rock rasgado e guitarra secas, aqui está mais próximo de um Hard Rock do que o psicodélico de todo disco, um excelente jeito de finalizar um disco. Deixando uma sensação e desejo de mais!
Dark Energy é um disco que exige entrega. Se você curte a tríade sagrada do rock psicodélico — Jefferson Airplane, Beatles e Love — com pitadas contemporâneas e uma produção ousada, esse álbum vai te sequestrar sem pedir desculpas. Ouça de olhos fechados, cabeça aberta e volume máximo. Viva a psicodelia 60 ‘s!