Entrevistas

Page Hamilton (Helmet): “Quem curte Helmet, curte música e não moda”

Page Hamilton (Helmet): “Quem curte Helmet, curte música e não moda”

16 de novembro de 2022


Jacob Blickenstaff/Divulgação

Helmet retorna ao Brasil para duas datas no dia 19/11 em Brasília (DF) e 20/11 em São Paulo (SP) no Oxigênio Festival, que acontecerá no Hangar do Aeroclube Campo de Marte e trará para São Paulo músicas de toda sua carreira principalmente dos álbuns ‘Strap it On’ (1990) e ‘Meantime’ (1992) considerados clássicos indefectíveis do metal alternativo noventista. Hits do terceiro disco, ‘Betty’ (1994), álbum que chegou à 45ª posição da Billboard 200, também serão contemplados, bem como ‘Aftertaste’ (1997), o quarto e último disco com a formação original do Helmet. Em uma turnê especial como esta, as apresentações também não podem deixar de ter o Helmet executando músicos de álbuns lançados após o retorno nos anos 2000, que são: Size Matters (2004), Monochrome (2006), Seeing Eye Dog (2010) e Dead To The World (2016). Conversamos com o vocalista/guitarrista Page Hamilton para falar sobre a turnê na América do Sul e os planos do futuro. Confira!

Headbangers News: Olá Page, como você está?

Page Hamilton: Parabéns pelas eleições. Estávamos todos nervosos. Talvez vocês estabeleçam uma nova tendência, talvez fosse isso que precisávamos. Estes fascistas não irão dominar o Mundo. Há muitas pessoas com amor e boas intenções para deixar algo assim acontecer.

HBN: Você estava pensando sobre a nossa situação política e fascismo no Brasil?

Page: Nem sei por que temos que ter esta conversa em 2022. A Segunda Guerra Mundial nem é uma história tão velha assim. Meus pais passaram por isso. Mesmo com o advento da internet fazendo com que o Mundo fique ainda menor, creio que muitas ainda estão isoladas de certa forma, nos Estados Unidos principalmente. Eles ainda acham que tudo que existe está na comunidade deles, mesmo com acesso ás informações. Eu viajo o Mundo todo por 35 anos e vejo outras culturas, como comidas e falo com línguas do Mundo todo e já percebi que todos nós fazemos parte do mesmo Mundo. Não é nós contra eles. Fronteiras e limites foram criados por nós. Na Segunda Guerra Mundial, fronteiras foram criadas, totalmente diferentes de hoje agora. Veja a Tchecoslováquia e Iugoslávia que se dividiram todas criando novas fronteiras – e é história recente. A língua servo-croata que agora se separou e é sérvio ou croata – nós mesmos criamos estas divisões. Estados Unidos tem muita violência e acesso ás armas. Temos a tendência de nos isolarmos e não importarmos no que acontece no Mundo e como nossas ações afetam outras pessoas e muitos pensam em proteger sua falta de entendimento, conhecimento ou até empatia partindo diretamente para a violência usando armas e este é o problema. Temos mais de 400 milhões de armas espalhadas em nosso país – temos mais armas que pessoas em nosso país. Durante o governo Trump, fomos de 300 milhões para 400 milhões em menos que cinco anos. É muita arma. Estávamos bem otimistas com vocês na noite passada com as eleições no Brasil e percebi que ainda tenho fé de que as coisas vão melhorar no Mundo. Acho que as pessoas precisam ser mais racionais. Não vou ficar bravo ou com raiva de pessoas por elas serem desinformadas. Há pessoas que comentam que “estavam fazendo pesquisas de COVID pelo Facebook”. Perguntei se a pessoa tinha algum tipo de formação científica ou formação em medicina. Quem é que faz isso? Pesquisa é quando se vai para uma faculdade e se senta numa merda de uma Biblioteca e se senta numa cadeira por oito horas lendo livros e não usando as redes sociais.

HBN: Mas qual é a sua opinião a respeito da situação nos Estados Unidos?

Page: Sabe, Donald Trump foi a pior coisa que aconteceu no meu tempo de vida, pois ele não tem interesse em Democracia, pela Constituição, no bem estar das outras pessoas a não ser dele mesmo e pessoas de alguma forma o acham charmoso. Eu o acho um nojo e me deixa totalmente enjoado, principalmente quando vivia em Nova Iorque nos anos 80 e eu o ouvia falar. Ele sempre foi um Ser repulsivo. Achar que este indivíduo tem os melhores interesses e cantar EUA – este cara tá nem aí pelos Estados Unidos. Ele quer se enriquecer aos nossos custos- o que é muito triste. Gosto de um comediante chamado Bill Mars e ele tinha pessoas na festa dele que votaram a favor do Donald Trump e outros que não e alguns amigos dele disseram que não iriam numa festa em que houvesse pessoas que votaram em Trump. Então eu logo disse, “você é parte do problema também”. Por que se você não pode ter uma conversa civilizada com uma pessoa que não tem a mesma opinião que você, então você é parte do problema. Se você encontra entre a direita e esquerda e você não pode ter uma conversa civilizada, então você é parte do problema. Minha mãe, meu pai e minha irmã são todos republicanos. Eu me sentava no pátio e conversava com o meu pai sobre coisas. E compartilhávamos pontos de vista sobre coisas. Sei, eu entendo quando você é um pequeno empresário que não quer ser taxado á mais sobre coisas etc. Mas me deixa dizer e se estas taxas permitem que estradas sejam asfaltadas ou que crianças possam ir á escola e sejam educadas que depois se tornem pessoas que paguem impostos que ajudem a pagar a sua aposentadoria quando você for velho. Não é sobre mim o tempo todo – somos uma sociedade. Hoje as pessoas são egoístas demais. E esta é a beleza do socialismo, não a droga do comunismo, que você pode fazer parte de programas sociais. Eu viajei pelo lado oriental da Alemanha, pois estudei na Alemanha e falo fluentemente alemão e conversei com um soldado por uma hora que disse que poderia ser preso por falar comigo porque eu era do lado Ocidental e a gente tava tomando uma cerveja e comendo um frango e foi fascinante, pois chegamos à conclusão de que não nos odiávamos. Eles estavam presos numa situação de merda. É uma droga quando você enxerga pelo lado Humano, pois a pessoa em sua frente, o que você vai falar para ela? Você vai falar muito menos se você estiver escondido atrás de uma tela de um computador. É muito mais fácil mandar VITRIOL pelo computador do que pessoalmente. Temos muito em comum – somos todos feitos de carne, osso e sangue. Somos todos Humanos.

HNB: Você está aprendendo outra língua?

Page: Eu estou aprendendo espanhol e estou no dia 240 no Duolingo – já aprendi que “Yo quiero um abrigo vierde” que finalmente eu terei um casaco verde e usarei isto quando para o México semana que vem!

HBN: Você acha que “Aftertaste” é o álbum mais diferente da discografia do Helmet?

Page: Eu tive esta conversa com um aluno meu de Londres sobre as diferentes aproximações que tive com os álbuns, como Aftertaste, por exemplo, pois eu escrevi a maioria das músicas. E muitas vezes você está numa fase da sua vida em que você está ouvindo Elvis Costello e Beethoven e tudo que você está ouvindo – numa outra é Joy Division, Wire e Thelonious Monk e você absorve estas influências e pessoas já disseram que não ouvem jazz na minha música, mas não somos uma banda de jazz. Mas se você ouvir o processo de composição, como Milquetoast, por exemplo, no álbum Betty, você tem uma linha de baixo e eu estou tocando contra esta linha de baixo e existe uma harmonia que é tirada do conceito do jazz nestas notas básicas do baixo. Com o Aftertaste, após termos feito Meantime, Strap It On e Betty e ter conhecido Dave Sardi ele que meio que me incentivou a compor de uma forma diferente. Eu ainda uso estas notas usadas no Aftertaste.

Neste momento Page Hamilton pega a sua guitarra e toca notas da faixa Aftertaste para mostrar as notas.

Page: Ainda é sobre soltar a tensão das notas. E eu ouvi esta música simples, que ainda é simples mas que possui o groove e o essencial em compor uma música é melodia, harmonia, ritmo, estrutura é claro forma e texto ou palavras e é isso que forma uma música seja ela de Mozart ou uma canção do Slayer. E eu fiquei fascinado com diferentes coisas em períodos diferentes. E no álbum Aftertaste eu fiquei fascinado por uma nota – neste momento Page Hamilton mostra a nota em sua guitarra. Eu ainda pensava na harmonia e na forma de compor do Meantime e eu ainda toco aquela nota estranha em cima da nota principal ou a própria Meantime que foi composta usando certo padrão ritmico. Ela já começa meio que retirada diretamente do jazz é um padrão que pode ser compreendido de diversas formas como 13# 9 depende muito da nota principal. Eu ainda penso da mesma forma mas tento pegar um novo ângulo pois não quero escrever sempre a mesma música. Meantime eu compus usando um groove que possui ideias melódicas. É uma ideia de um riff misturado ao ritmo. É um riff rítmico vai, misturado á melodias interessantes. É como Elvis Costello que compôs Blood and Chocolate usando uma nota só, mas no final ele foi e colocou uma corda a mais. Você consegue manter a tensão numa nota por um tempo limitado. Eu vejo todos os álbuns do HELMET como únicos e muito diferentes um do outro. Aftertaste foi um álbum em que eu estava ouvindo muito Elvis Costello. Então líricamente havia uma narrativa de que ali eu tenho minhas linhas que mais curto como “I rather be insulted by you than by someone I respect” esta foi bem engraçada ou “draw them close and pencil thin they’re easy to erase” (N.R.: ambas da faixa ‘Birth Defect’ do álbum “Aftertaste”).

HBN: Você se preocupa com os outros instrumentos quando você compõe músicas para o Helmet?

Page: Eu não me preocupo muito. Estava discutindo isso com um aluno meu hoje. Se for compor uma linha de baixo a faça com duas medidas ou com quatro e escreva as linhas de baixo mais legais que você pode pensar e é aquilo que importa naquele momento. Depois você se senta, pega sua guitarra e faz um oposto com a guitarra no topo disto. Eu estava usando Thelonious Monk como exemplo. Page pega sua guitarra acústica e faz uma demonstração desta extensão mostrando a oposição que o baixo faz á uma nota na guitarra. Este tipo de coisa sempre me interessou como em ‘Milquetoast’ onde o baixo faz linhas completamente opostas á da guitarra. “Driving Nowhere” foi uma música de um soundcheck na Filadélfia tocando num lugar chamado Truck Truck Derrow e havia uma banda hilária de SKA de Boston abrindo pra gente chamada The Mighty Mighty Bosstones e o riff para ‘Driving Nowhere’ surgiu do nada na minha cabeça – e o que você faz com isto? Eu ouço o meu instinto e vejo para onde a música me leva. Como eu cantei com a melodia, o riff acaba me levando naturalmente para a próxima nota. Eu já vi entrevistas com o Paul McCartney dizendo que com apenas algumas notas no piano, a música vem naturalmente – neste momento Page liga o piano e mostra com o piano seu ponto de vista. Pode ser algo simples, mas a nota vai me dar uma ideia melódica ou ás vezes eu tenho a melodia e a nota complementa o que preciso. Uma parte é inspiração, tentar achar a melodia correta a outra é transpiração – Thomas Edison já dizia que a genialidade é composta por 10% inspiração e 90% de transpiração. Então se estou num caminho sem saída, eu tento trabalhar até sair deste caminho. É por isso que eu incentivo pessoas a tocar e a praticar seus instrumentos. Não como eu por que eu não tenho vida e eu sou um perdedor patético onde eu sinto falta de minhas guitarras quando estou em turnê. Page mostra seu violão de 1967 da marca Howard Roberts e brinca abraçando o instrumento dizendo o quão feliz ele estava em vê-lo. Mas o importante é estudar seu instrumento. Mas se por acaso você me disse que tudo o que você ouve é o Ramones, por exemplo, você vai esgotar sua inspiração. Você precisa trabalhar para atingir algo. Existe um conceito errado sobre inspirações no Mundo do rock que você não pode ter outra inspiração. Ela está errada, por que se você mantiver esta inspiração, você certamente vai soar chato pra caralho. Você será feliz por talvez cinco ou sete anos, mas depois você vai achar chato pra caralho ou pelo menos eu vou ficar cansado.

HBN: Você se importa com tendências no mercado da música?

Page: Eu estou sempre ignorando o Zeitgeist ou a moda. Você vai olhar para trás e vai ver um período no tempo em que tudo soava igual. Eu não ligo pra esta merda. A gente não encaixa com indie rock porque somos pesados demais, não somos metal porque somos indie demais e barulhentos, não somos emo pois não sou emocional – se bem que sou emocional, mas expresso emoções do meu jeito. É por isso que admiro bandas como o AC/DC que quando as pessoas perguntam pro Angus se ele fez o mesmo álbum 22 vezes em seguida ele diz, na verdade são 23. Eles são tão incríveis pois apesar de soarem tão simples, te desafio a tocar uma música deles! Você nunca sabe direito as notas, ZZ Top é assim também. É muito difícil ser simples. Blues é um exemplo. Não quero ser um cara branco regurgitando o estilo – você precisa do espírito, da energia. Eu não tenho este peso nas costas – eu sei o que eles estão fazendo tecnicamente, mas este não é blues. Eu sinto HELMET, por exemplo, sinto as influências que são excitantes para mim. E não é porque eu sou fã do AC/DC que eu vou fazer músicas do AC/DC por que seriam ruins. Então é algo que joguei num pote e o que sai é algo meu. Eu sempre estou ouvindo coisa nova, sempre estudando – não sei da onde saíram todas as coisas que compus. Eu não sei da onde surgiu In The Meantime – estava no porão ali divindo um palco com Sonic Youth, The Woggles e tava gelado demais e foi ali que surgiu o primeiro riff para In The Meantime. Depois de 20 minutos se você sentir feliz com a música, você certamente fez uma música nova.

 

HBN: Mas qual é o seu mindset quando você compõe música?

Page: Eu estou produzindo uma banda brasileira quando eu descer aí chamada Mad Sneaks que são bons demais. Eu fiz uma música pra eles remotamente uns anos atrás. Quando enviei a música eles nem me responderam. No final, eu mandei mensagem e recebi como resposta que eles ficaram tão impressionados com o resultado que eles ficaram sem palavras para responder. Eles nem imaginaram que a música deles poderia soar tão legal! Fiquei tão feliz e agradecido com a resposta deles que um peso saiu das minhas costas. Tem muita coisa que eu faço que me inspire, inclusive brincando no violão como no álbum Betty. Tem coisas, por exemplo, que crio no teclado que não fica legal em outro instrumento e isso precisa ser adaptado, afinal, um instrumento de sopro não pode ficar segurando uma nota por meia hora (risos). Então há sempre arranjos e orquestrações que precisam ser feitos antes que você decida uma melodia.

HBN: Mas o que é Helmet pra você no mercado musical?

Page: O que a gente faz é baseado em música. Não é baseado numa cultura e nem no que está rolando no tempo. Mas o que é Helmet ? Já fomos nomeados como melhor banda de metal, não acho que somos metal – já fomos chamados de indie rock e não acho que seja isso. Novamente, somos música apenas para pessoas que curtem música. É sempre música em todas as canções. Bandas como Deftones, System Of A Down ou até Korn que nos citaram como influência eles se inspiraram na nossa música e fizeram algo deles. Eles não vão refazer Helmet. Então, quem curte Helmet curte música e não moda. É honesto e é por isso que é válido. Teve uma banda que estava com a gente em turnê que parecia Nine Inch Nails e não precisamos de uma cópia de Nine Inch Nails sabe? O produtor os deixou fazerem o que queriam e no final a banda não durou. Eu perguntei se era exatamente isso que eles queriam e eles assinalaram que sim. No final, sempre que quisermos nos parecer como os nossos heróis, certamente nos espatifaremos no chão. A banda que parecia com Nine Inch Nails acabou. Eles não eram verdadeiros com a música que estavam criando.

HBN: Como o Helmet se preparou para a turnê na América do Sul e Central?

Page: Em 2019 a gente sabia 95 músicas e a gente não toca desde que a pandemia começou. Mas todos os shows serão diferentes, pois tocaremos em cidades que nunca tocamos antes como Peru e Argentina. Tocaremos de tudo um pouco e por isso eu estou mexendo com estes pedais agora. Quando eu viajo eu levo alguns pedais que lembram apenas a guitarra de ‘I Love My Guru’ onde tem aquele tipo de guitarra gritando. Então estou mexendo neste pedal para ver se consigo adaptar tudo o que preciso num pedal. A banda está muito bem ensaiada e quando chegarmos em São Paulo faremos um grande show, tenho certeza.

HBN: Quais são as bandas brasileiras que você ouve?

Page: Gosto de Sepultura, mas ouço muito mais Elis Regina e Tom Jobim – o último álbum do Tom Jobim é uma obra de arte, você precisa ouvir. Amo Dorival Caymmi, Chico Buarque e Gilberto Gil – estes fizeram o Mundo ferver. A linda esposa de Gilberto Gil ainda fez música incrível também – então este é na verdade meu tipo de música.

Serviço

Helmet em Brasília
Data: 19 de novembro de 2022
Horário: 19h
Local: Toinha Brasil Show
Endereço: SOF Q 9 Quadra 09 conj – Brasília (DF)
Ingresso: www.bilheto.com.br/evento/1069/Helmet_em_Brasilia

Helmet em São Paulo no Oxigênio Festival
Data: 20 de novembro de 2022
Horário: a partir das 12h
Local: Aeroclube Campo de Marte
Endereço: Avenida Olavo Fontoura, 650, Santana – São Paulo (SP)
Ingresso: https://pixelticket.com.br/eventos/10147/dia-20-11-oxigenio-festival-2022/ingressos